Romantismo
Precedentes: Período de Transição (1808-1836)
Simultaneamente ao final das últimas produções do movimento árcade, ocorreu a vinda da Família Real portuguesa para o Brasil. Esse acontecimento, no ano de 1808, significou, o início do processo de Independencia da Colônia.
O período compreendido entre 1808 e 1836 é considerado de transição na literatura brasileira, devido à transferência do poder de Portugal para as terras brasileiras, que trouxe consigo, além da corte e da realeza, as novidades e modelos literários do Velho Continente nos moldes franceses e ingleses.
Houve também a mudança de foco artístico e cultural, da Bahia para o Rio de Janeiro, capital da colônia desde o ano de 1763. Segundo o crítico literário Antônio Cândido, no livro Noções de Análise Histórico-literária:
"No Brasil não havia universidades, nem tipografias, nem periódicos. Além da primária, a instrução se limitava à formação de clérigos e ao nível que hoje chamamos secundário, as bibliotecas eram poucas e limitadas aos conventos, o teatro era paupérrimo, e muito fraco o intercâmbio entre os núcles povoados do país, sendo dificílima a entrada de livros."
O que explica o desenvolvimento literário incipiente, se comparado com o mesmo período na metrópole. Os autores vistos até então eram produto da educação europeia e/ou religiosa que receberam.
Com a vinda da Família Real, os livros puderam ser impressos no território, em função da Imprensa Régia, derrubando a medida que proibia sua impressão e difusão sem a autorização prévia de Portugal, dando início não apenas ao desenvolvimento da literatura mas, também, a um sentimento de nacionalidade no território, uma das principais características do período romântico brasileiro.
Contexto histórico na Europa
O final do século XVIII presenciou a ascensão da tipografia, inventada pelo alemão Johannes Gutenberg, que possibilitou o desenvolvimento da impressão em grandes quantidades de jornais e romances.
No início, os romances eram publicados diariamente nos jornais de forma fragmentada, assim, a cada dia um novo capítulo da história era revelada. Esse esquema, importado para a colônia, ficou conhecido como "folhetim" ou "romance de folhetim" e deu origem às telenovelas que conhecemos nos dias de hoje.
A Liberdade Guiando o Povo (1830), de Eugène Delacroix
Assim, com a Revolução da Imprensa, uma das principais características do período Moderno, houve também a ascensão dos romances impressos, popularizando o artefato (o livro não era mais considerado um artigo de luxo, inacessível) e proporcionando um largo alcance da literatura às camadas inferiores da sociedade e também às mulheres, que raramente tinham acesso às letras e, quando muito, eram alfabetizadas.
Considera-se o marco inicial do romantismo na Europa a publicação do romance Os sofrimentos do jovem Werther, do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe no ano de 1774. Historicamente, um dos marcos principais do movimento foi a Revolução Francesa, responsável pela difusão dos pensamentos Iluministras na Europa e nas suas colônias, que tanto inspirou os poetas árcades brasileiros.
Com o processo de industrialização dos grandes centros, houve um delineamento das classes sociais: a burguesia, com riquezas provenientes do comércio, e os operários das indústrias. Logo, a literatura do período foi produzida pela classe dominante e para a classe dominante, deixando claro qual a ideologia defendida por seus autores.
Saiba mais:
Ideologia: conjunto de ideias ou pensamentos de um indivíduo ou grupo e que pode estar ligado a ações políticas, econômicas e sociais.
Contexto histórico no Brasil
Considera-se que o período romântico no Brasil inicia em 1836, com a publicação da obra Suspiros Poéticos e Saudades, do poeta Gonçalves de Magalhães e vai até o ano de 1881, com a publicação do romance realista Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis.
Como dito anteriormente, o desenvolvimento da literatura brasileira propriamente dita aconteceu a partir da vinda da Família Real para o Rio de Janeiro que gerou um forte desenvolvimento artístico e cultural na colônia, agora afinado com a produção literária europeia.
Chegada da Família Real Portuguesa a Bahia (1952), de Candido Portinari
Porém, a insatisfação das classes dominantes com o Império fez com que surgissem tentativas de independência da metrópole, produzindo um sentimento de nacionalismo que culminaria com a Declaração da Independência, em 1822, por Dom Pedro I.
Outro aspecto importante é com relação à escravidão dos negros: o Brasil era uma das poucas colônias americanas que ainda sustentava o sistema econômico baseado do trabalho escravo, o que gerou opiniões controversas por parte dos autores daquela época. Temos expressões literárias abolicionistas (p. ex.: o poeta Gonçalves de Magalhães) e outras que tratavam do tema superficialmente (p. ex.: o romancista Bernardo Guimarães) ou sequer tocavam na questão.
A independência das colônias latino-americanas impulsionou um sentimento de nacionalidade diretamente refletida pela literatura. A formação dessas literaturas esteve a cargo de autores que projetavam os ideais de uma nação em crescimento e desenvolvimento e que até hoje são considerados constitutivos da história da nação.
No entanto, essa literatura fundacional e canônica da América Latina é revista por muitos professores, críticos literários e historiadores pois apresentam apenas uma visão referente à formação das nações latino-americanas. Como assinala o professor e crítico literário Eduardo F. Coutinho:
"Na América Latina, durante o século XIX, o sujeito encunciador do discurso fundador do estado-nação tomou como base um projeto patriarcal e elistista, que excluiu não só a mulher, mas índios, negros, analfabetos e, em muitos casos, aqueles que não possuíam nenhum tipo de propriedade. A preocupação dominante era marcar a diferença da nova nação com relação à matriz colonizadora, mas o modelo era obvia e paradoxalmente a metrópole; daí a necessidade de forjar-se uma homogeneidade que excluísse todas as diferenças."
O que causa uma sensação de estranhamento é o paradoxo observado no período: ao mesmo tempo em que ideias sobre o sentimento de nacionalidade aflorava nos corações dos brasileiros (e demais latino-americanos), parte da população permanecia na miséria e/ou em situações de escravidão, sem acesso à emancipação e aos direitos humanos básicos.
Referências:
CÂNDIDO, Antônio. Noções de Análise Histórico-literária. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2005.
COUTINHO, Eduardo F. Mutações do comparatismo no universo latino-americano: a questão da historiografia literária. In: SCHMIDT, Rita T. Sob o signo do presente: intervenções comparatistas. Porto Alegre: UFRGS Editora, 2010.
Principais características do período romântico
"Em cada país o romantismo produziu uma nova literatura exuberante com imensas variações entre seus autores porém, em todos eles, persistem algumas características em comum: opulência e liberdade, devoção ao individualismo, confiança na bondade da natureza e no homem "natural" e na fé permanente nas fontes ilimitadas do espírito e da imaginação humanos."
- Bradley, Beatty e Long
O romantismo floresceu na Alemanha (Goethe e Schlegel), na França (Madame de Stäel e Chateaubriand) e na Inglaterra (Coleridge e Wordsworth), como resposta aos modelos pretendidos pelos Iluministas, que privilegiavam o racional e o objetivo, em detrimento do emocional e da subjetividade.
Houve, no período, o desenvolvimento da chamada poesia ultra-romântica, dos romances (novels) e dos romances históricos (romances). Tanto a prosa quanto a poesia foram amplamente difundidos no período. Porém, com a ascenção da imprensa e da burguesia comercial, os romances e os periódicos foram ganhando cada vez mais espaço e se popularizaram a ponto de atingir um novo público leitor que até então não tinha acesso à literatura.
Há uma diferença significativa com relação aos padrões poéticos vistos até então no Arcadismo, que se assemelhavam à estrutura camoniana e eram inspirados nas obras greco-romanas. O verso clássico deu espaço ao verso livre, aquele sem métrica e sem entonação, e ao verso branco, sem rima, que possibilitou uma maior liberdade de criação do poeta romântico, agora livre para expressar sua individualidade.
A carroça de feno (1821), de John Constable
Os temas principais da poesia romântica giram em torno do sentimento de nacionalidade surgido a partir novo do contexto histórico e cultural. A nova pátria, com a declaração da independência, manifestava-se através da exaltação da natureza do país, no retorno ao passado histórico e na criação dos heróis nacionais.
A hipervalorização dos sentimentos e das emoções pessoais (angústias, tristezas, paixões, felicidades etc.) também é característica do movimento, que pressupunha uma olhada para o interior do artista e de suas emoções, em detrimento do racional e do objetivo iluminista. Esse sentimentalismo exagerado está refletido nos enredos que, em sua maoria, consistem em histórias de amor ou, quando este não é o mote principal, em histórias em que o amor e a paixão prevalecem.
A individualidade como refúgio proporciona também a evasão para mundos distantes como forma de escapar a sua realidade. Essa característica está associada, principalmente, aos autores da chamada Geração Mal-do-Século - autores acometidos pela tuberculose (a doença considerada o mal do século XIX) - que almejavam uma vida de prazeres em países e territórios distantes para escapar à dor e à morte.
O culto à natureza ganha traços diferenciados no romantismo pois, a partir de agora, passa a funcionar não apenas como pano de fundo para as histórias mas também, passa a exercer profundo fascínio pelos artistas. Além disso, a natureza passa a entrar em contato com o eu romântico, refletindo seus estados de espírito e sentimentos.
Nos romances góticos, surgidos no final do século XVII e desenvolvidos durante o século XIX, a natureza tem um papel muitas vezes hostil e ameaçador na trama, responsável por momentos de tensão. Com o passar do tempo, essa natureza transformou-se em um clichê para histórias de terror na forma de cenários assustadores: noite, névoa, pântanos, neve, árvores retorcidas etc.
Conceitos importantes
a) Subjetivismo e Individualismo - glorificação do que é particular e íntimo, dos sentimentos. Segundo o professor Sergius Gonzaga, em seu livro Manual de Literatura Brasileira (Mercado Aberto, 1989):
Com frequência, o destino da grandeza individual é a "maldição", ou seja, distanciamento pessoal da vida em sociedade, através da solidão voluntária, da orgia, da ofensa aos valores comuns, da recusa em aceitar os princípios da comunidade. Isto ocorre em um segundo momento, quando os artistas se dão conta da impossibilidade de uma nova experiência napoleônica e da mediocridade da burguesia pós-revolucionária, voltada apenas para a acumulação de capital.
b) Patriarcalismo - o século XIX também é conhecido por refletir em sua literatura canônica uma sociedade conservadora e patriarcalista. Neste modelo, a família (homem, mulher e filhos) é o núcleo da sociedade burguesa, cujo poder está centrado na figura do pai. Os enredo giram basicamente em torno dela, de suas relações, seus costumes e seus desejos.
Embora no Brasil o modelo de sociedade patriarcal sempre esteve presente desde o início da colonização, no Romantismo que uma explicitação desse modelo, pois ele fazia parte do projeto nacional presente no século XIX, isto é, aparecia na literatura como reflexo da ideologia dominante e para estabelecer os costumes esperados na sociedade e destinados principalmente às mulheres
Com o advento do Realismo (movimento literário seguinte) muitos autores dedicam-se a criticar este modelo e a retratar (da forma mais realista possível) as mazelas que se encontravam por trás da família burguesa, como a submissão das mulheres, a violência praticada contra esposas e filhas e a própria condição dessas personagens, moedas de troca a fim de garantir a situação financeira das famílias.
c) Eurocentrismo - com a expansão mercantilista, a europa se transformou na grande potência mundial expandindo seus mercados para além do continente, espalhando sua visão de mundo e acreditando na soberania dos países e no modo de pensar europeu. As consequencias causadas pelo choque cultural dos europeus com outras sociedades (principalmente africanas, asiáticas e americanas) criou uma série de estereótipos a respeito desses povos "bárbaros" e a ideia de que o pensamento europeu seria civilizatório moldou as colônias e que foi refletida através da história principalmente na literatura do século XIX.
d) Nacionalismo - com o desenvolvimento de uma burguesia mercantil, os reinos europeus foram se dissolvendo e desenvolvendo, inicialmente, uma ideia de organização política e cultural autônoma. Nas colônias, o sentimento de nacionalidade surgiu como reação à política mercantil restritiva das metrópoles e do desejo de liberdade econômica e política. No Brasil, os escritores produziram obras importantes motivadas pelo ideal nacionalista no sentido de delinear uma literatura que fosse considerada brasileira e não mais submissa à colônia.
POESIA NO ROMANTISMO
Primeira metade do século XIX
As primeiras manifestações do período romântico aconteceram em forma de poesia. Suspiros poéticos e saudades, de Gonçalves de Magalhães inaugura o movimento romântico no Brasil, no ano de 1836.
Além disso, diversos outros autores desenvolveram suas temáticas por meio da poesia, o que permitiu aos críticos agruparem as manifestações literárias do gênero em três principais gerações.
Primeira geração romântica: nacionalista ou indianista
Nessa geração, os temas principais giram em torno da nova pátria, com menções ao passado histórico do país. Também estão presentes temas como a exaltação do índio, considerado o herói nacional por excelência, que deu nome à geração.
O mito do bom selvagem, do filósofo Rousseau é aqui traduzido na figura do índio que, além de valente e defensor da sua terra, é livre e incorruptível. Seus principais autores são:
Gonçalves de Magalhães
Gonçalves Dias
Araújo Porto-Alegre.
Gonçalves Dias
Araújo Porto-Alegre.
Autores da primeira geração romântica
Gonçalves de Magalhães
Gonçalves de Magalhães nasceu em Niterói (RJ) em 1811 e faleceu em Roma, onde exercia cargos diplomáticos, no ano de 1882.
Estudou Medicina e viajou para a Europa, onde exerce a função de diplomata e passa a ter contato com a produção literária do velho continente e funda, em Paris, a revista literária Niterói, revista brasiliense, um dos marcos iniciais do movimento romântico no país.
Suspiros poéticos e saudades (1836) inaugura o movimento com uma literatura ufamista, celebrando a nacionalidade e também com temas religiosos, repudiando a estética clássica e a temática da mitologia pagã (bastante expressiva no período anterior).
Gonçalves de Magalhães
Além da poesia lírica voltada para o sentimentalismo, nacionalismo e religiosidade, Magalhães escreveu a Confederação dos Tamoios (1856), poema em dez cantos, inspirado nos poemas épicos, em que versa sobre a rebelião dos indígenas contra os colonizadores portugueses ocorrida entre os anos de 1554 e 1567.
Nele, o poeta defende os índios como bravos guerreiros empenhados na defesa de sua terra, o que denotaria um forte sentimento nacionalista embora, é claro, ainda não houvesse oficialmente um país. Logo, os índios seriam os primeiros heróis nacionais.
Veja um trecho do poema:
Redobrando de força, qual redobra
A rapidez do corpo gravitante,
Vai discorrendo, e achando em seu arcanos
Novas respostas às razões ouvidas.
Mas a noilte declina, e branda aragem
Começa a refrescar. Do céu os lumes
Perdem a nitidez desfalecendo.
Assim já frouxo o Pensamento do índio,
Entre a vigília e o sono vagueando,
Pouco a pouco se olvida, e dorme, sonha,
Como imóvel na casa entorpecida,
Clausurada a crisálida recobra
Outra vida em silêncio, e desenvolve
Essas ligeiras asas com que um dia
Esvoaçará nos ares perfumados,
Onde enquanto reptil não se elevara;
Assim a alma, no sono concentrada,
Nesse mistério que chamamos sonho,
Preludiando a vista do futuro,
A póstuma visão preliba às vezes!
Faculdade divina, inexplicável
A quem só da matéria as leis conhece.
Ele sonha... Alto moço se lhe antolha
De belo e santo aspecto, parecido
Com uma imagem que vira atada a um tronco,
E de setas o corpo traspassado,
Num altar desse templo, onde estivera,
E que tanto na mente lhe ficara,
— "Vem!" lhe diz ele e ambos vão pelos ares.
Mais rápidos que o raio luminoso
Vibrado pelo sol no veloz giro,
E vão pousar no alcantilado monte,
Que curvado domina a Guanabara.
A rapidez do corpo gravitante,
Vai discorrendo, e achando em seu arcanos
Novas respostas às razões ouvidas.
Mas a noilte declina, e branda aragem
Começa a refrescar. Do céu os lumes
Perdem a nitidez desfalecendo.
Assim já frouxo o Pensamento do índio,
Entre a vigília e o sono vagueando,
Pouco a pouco se olvida, e dorme, sonha,
Como imóvel na casa entorpecida,
Clausurada a crisálida recobra
Outra vida em silêncio, e desenvolve
Essas ligeiras asas com que um dia
Esvoaçará nos ares perfumados,
Onde enquanto reptil não se elevara;
Assim a alma, no sono concentrada,
Nesse mistério que chamamos sonho,
Preludiando a vista do futuro,
A póstuma visão preliba às vezes!
Faculdade divina, inexplicável
A quem só da matéria as leis conhece.
Ele sonha... Alto moço se lhe antolha
De belo e santo aspecto, parecido
Com uma imagem que vira atada a um tronco,
E de setas o corpo traspassado,
Num altar desse templo, onde estivera,
E que tanto na mente lhe ficara,
— "Vem!" lhe diz ele e ambos vão pelos ares.
Mais rápidos que o raio luminoso
Vibrado pelo sol no veloz giro,
E vão pousar no alcantilado monte,
Que curvado domina a Guanabara.
O último tamoio (1883), de Rodolfo Amoedo
Saiba Mais:
O escritor José de Alencar escreve, sob o pseudônimo Ig (referência à índia Iguassú), uma série de críticas acerca do poema, de sua temática e da sua composição:
Se me perguntarem o que falta, de certo não saberei responder; falta um quer que seja, essa riqueza de imagens, esse luxo da fantasia que forma na pintura, como na poesia, o colorido do pensamento, os raios e as sombras, os claros e escuros do quadro.
Alencar dizia também que o gênero épico não era compatível com a literatura das Américas, principalmente do Brasil, uma nação ainda em nascimento. Essa série de críticas resultou na publicação Cartas sobre a Confederação dos Tamoios, em 1856, que deu projeção literária ao então jornalista José de Alencar e contribuiu para que ele escrevesse seus principais romances indianistas.
Gonçalves Dias
Gonçalves Dias nasceu em Caxias (MA) em 1823 e morreu em 1864, vítima do naufrágio do navio Ville de Boulogne, quando retornava da Europa para o Brasil.
Com quinze anos, vai a Coimbra estudar Direito. Longe do Brasil, toma contato com poetas portugueses que cultivavam a Idade Média. É considerado o primeiro poeta de fato brasileiro por dar vazão aos sentimentos de um povo com relação à pátria.
Em 1843 escreve seu famoso poema Canção do Exílio, onde se percebe algumas das principais características do Romantismo: saudosismo, nacionalismo, exaltação da natureza, visão idealizada da pátria e religiosidade.
Gonçalves Dias
Veja um trecho do poema:
Canção do Exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossas flores têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossas flores têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Também fazem parte de seu trabalho a poesia indianista, representada pelo conhecido I-Juca Pirama, e a poesia lírica, pelo poema Se se morre de amor!
O poema I-Juca Pirama é dividido em dez cantos e conta a história de um guerreiro tupi capturado pela tribo inimiga, os Timbiras. Como seu pai estava velho e doente, o guerreiro chora e pede clemência à tribo para que sua vida seja poupada e ele possa voltar à companhia do velho. Ao saber disso, o pai, decepcionado, alega que seu filho é fraco e covarde por não ter aceitado seu destino de morrer lutando como um verdadeiro guerreiro nas mãos da tribo inimiga.
Veja abaixo um trecho do poema indianista:
No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos — cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.
Cercadas de troncos — cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.
São rudos, severos, sedentos de glória,
Já prélios incitam, já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!
Já prélios incitam, já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!
(...)
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
(...)
Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
(...)
"Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.
(...)
"Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és."
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és."
Saiba Mais:
O ritmo do poema lembra o som de tambores, denotando o aspecto guerreiro das tribos indígenas e criando um clima de tensão no enredo, acompanhando os acontecimentos da relação entre o pai e o filho.
Araújo Porto-Alegre
Um dos principais autores da primeira geração romântica, Manuel de Araújo Porto-Alegre acompanhou Gonçalves de Magalhães na Niterói, revista brasiliense, publicando poemas desvelando um forte sentimento nacionalista. Porto-Alegre também era um conhecido pintor e cartunista, fazendo caricaturas e desenhos satíricos sobre o Brasil.
Homem das artes e das Letras, deixou aproximadamente 150 obras entre poesias, peças de teatro e traduções. Dentre elas, as mais famosas são: o livro de poesias Brasilianas (1863), o poema épico Colombo (1866), e a peça de teatro Angélica e Firmino (1845).
Imagem: Araújo Porto-Alegre (1848), por Ferdinand Krumholz. O autor nasceu em 1806, em Rio Pardo e faleceu em Lisboa no ano de 1879.
Selva Brasileira, pintura de Araújo Porto-Alegre, representante da literatura e da pintura romântica brasileira .
Veja um trecho do poema Colombo:
(...)
De um salto juvenil pisa Colombo
A nova terra, e com seguro braço,
A bandeira real no solo planta.
Beija a plaga almejada, ledo e chora:
Foi geral a emoção! Disse o silêncio
Na mudez respeitosa mais que a língua.
Ao céu erguendo os lacrimosos olhos,
Na mão sustendo o Crucifixo disse:
“Deus eterno, Senhor onipotente,
A cujo verbo criador o espaço
Fecundado soltou o firmamento,
O sol, e a terra, e os ventos do oceano,
Bendito sejas, Santo, Santo, Santo!
Sempre bendito em toda parte sejas.
Que se exalte tua alta majestade
Por haver concedido ao servo humilde
O teu nome louvar nestas distâncias.
Permite, ó meu Senhor, que agora mesmo,
Como primícias deste santo empenho,
A teu Filho Divino humilde of’reça
Esta terra, e que o mundo sempre a chame
Terra de Vera-cruz! E que assim seja”.
Ergue-se e o laço do estandarte afrouxa:
Sopra o vento, desdobra-o, resplandecem
De um lado a imagem do Cordeiro, e do outro
As armas espanholas. Como assenso
Da divina mansão, esparge a brisa
Um chuveiro de flores sobre a imagem,
Flores não vistas da européia gente!
A nova terra, e com seguro braço,
A bandeira real no solo planta.
Beija a plaga almejada, ledo e chora:
Foi geral a emoção! Disse o silêncio
Na mudez respeitosa mais que a língua.
Ao céu erguendo os lacrimosos olhos,
Na mão sustendo o Crucifixo disse:
“Deus eterno, Senhor onipotente,
A cujo verbo criador o espaço
Fecundado soltou o firmamento,
O sol, e a terra, e os ventos do oceano,
Bendito sejas, Santo, Santo, Santo!
Sempre bendito em toda parte sejas.
Que se exalte tua alta majestade
Por haver concedido ao servo humilde
O teu nome louvar nestas distâncias.
Permite, ó meu Senhor, que agora mesmo,
Como primícias deste santo empenho,
A teu Filho Divino humilde of’reça
Esta terra, e que o mundo sempre a chame
Terra de Vera-cruz! E que assim seja”.
Ergue-se e o laço do estandarte afrouxa:
Sopra o vento, desdobra-o, resplandecem
De um lado a imagem do Cordeiro, e do outro
As armas espanholas. Como assenso
Da divina mansão, esparge a brisa
Um chuveiro de flores sobre a imagem,
Flores não vistas da européia gente!
Segunda geração romântica: mal do século
Inspirados nas obras dos poetas Lord Byron, Goethe, Chateaubriand e Alfred de Musset, os autores dessa geração também são conhecidos como "byronianos".
As principais características da geração são: o individualismo, egocentrismo, negativismo, dúvida, desilusão, tédio e sentimentos relacionados à fuga da realidade, que caracterizam o chamado ultrarromantismo.
São temas recorrentes nas obra dos autores da segunda geração: a idealização da infância, a representação das mulheres virgens sonhadas e a exaltação da morte. Seus principais poetas são Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e Fagundes Varela.
Lord Byron
George Gordon Byron (1788 - 1824) foi um poeta romântico inglês que influenciou toda uma geração de escritores com sua poesia ultrarromântica. A ele estão associados termos como o spleen, que significa tédio, mau humor e melancolia, geralmente causados por amores não correspondidos ou pela descrença na vida em razão da aproximação da morte, temáticas comuns na poesia ultrarromântica.
De família aristocrática (porém, com dívidas), passava a vida a escrever poesia e a gastar dinheiro, vivendo no ócio. Suas principais obras são Horas de Lazer (1870), A Peregrinação de Childe Harrold (1812-1818) e Don Juan (1819-1824).
Autores da segunda geração romântica
Álvares de Azevedo
Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo em 1831 e faleceu, vítima da tuberculose, em 1852.
Poeta romântico por excelência, Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo e estudou na Faculdade de Direito, porém, não chegou a concluir o curso.
Faleceu jovem, aos 21 anos, vítima da tuberculose e da infecção resultante de um acidente de cavalo. A partir de então, desenvolveu verdadeira fixação com a própria morte, escrevendo a respeito da passagem do tempo, do sentido da vida e do amor - esse último, jamais realizado.
Seu livro de poesias, Lira dos Vinte Anos (publicada postumamente em 1853), carrega consigo a melancolia de um poeta empenhado em expressar seus sentimentos mais profundos. O conjunto de poesias também evidencia um poeta sensível, imaginativo e harmonioso.
Álvares de Azevedo
Pode-se dizer que sua obra possui características góticas, pois retratam paisagens sombrias, donzelas em perigo, personagens misteriosas, envoltas em vultos e véus entre outros.
Saiba mais:
Tuberculose: doença grave que pode atingir todos os órgãos do corpo, especialmente os pulmões, pois o bacilo causador (Koch) se desenvolve nas regiões do corpo em que há bastante oxigênio. Em estágios mais avançados, o doente passa a tossir com pus e sangue (a chamada hemoptise). Os principais sintomas são: tosse crônica, febre, suor noturno, dores na região torácica e perda de peso. No Brasil, muitos escritores do período romântico sofriam de tuberculose muitos chegando, inclusive, a falecer em decorrência da doença. Logo, aquela geração de poetas ficou conhecida como a "geração do mal do século", isto é, da tuberculose.
Romance gótico: subgênero originado na Inglaterra ao final do século XVIII. As principais características desse romance dizem respeito à atmosfera de terror, aos enredos assustadores e aos personagens. Neles, é comum encontrar cenários medievais, donzelas, cavaleiros, vilões e personagens do meio religioso e mistérios envolvendo as linhagens das famílias aristocráticas.
A frustração presente em sua obra é amenizada apenas através da lembrança da mãe e da irmã. Além disso, a perspectiva da morte, apesar de assustadora, traz conforto por saber que cessará a dor física causada pela doença e pelos sofrimentos amorosos do poeta. Veja no poema abaixo:
Se eu morresse amanhã!
Se eu morresse amanhã,viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que amanhã!
Eu pendera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que dove n'alma
Acorda a natureza mais loucã!
Não me batera tanto amor no peito,
Se eu morresse amanhã!
Que aurora de porvir e que amanhã!
Eu pendera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que dove n'alma
Acorda a natureza mais loucã!
Não me batera tanto amor no peito,
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
Além de poeta, Álvares de Azevedo produziu a peça de teatro Macário (1852), escrita após haver sonhado com o diabo. A peça conta a história de um personagem que, em uma viagem de estudos, faz amizade com um desconhecido e desobre ser ninguém mais, ninguém menos que o próprio satã. Não há menções sobre o nome da cidade em que eles se encontram, porém, há referências diretas à cidade de São Paulo. Assim, o poeta aproveita para fazer uma crítica à devassidão na qual a cidade estava imersa.
Azevedo também escreveu um romance chamado Noite na Taverna (publicada postumamente em 1855), uma narrativa composta por cinco histórias paralelas sobre cinco homens que relatam, em um bar, histórias de terror vivenciadas pelos mesmos. São eles: Solfieri, Bertram, Gennaro, Claudius Hermann e Johann. Os nomes são claramente europeus e fazem referência aos romances românticos produzidos naquele continente (especialmente os italianos e os alemães), bem como sua temática macabra, inspirada nos romances góticos.
Casimiro de Abreu
Casimiro de Abreu nasceu em Capivary (RJ) em 1839. Faleceu na cidade de Nova Friburgo no ano de 1860.
Nasceu em Capivary (RJ) e aos quatorze anos embarcou com o pai para Portugal, onde escreveu a maior parte de sua obra, em que denota a saudade da família e da terra nativa.
Poeta da segunda geração romântica, Casimiro escreveu poemas onde o sentimento nativista e a busca pela inocência da infância estão presentes.
Pertenceu, graças à amizade com Machado de Assis, à então recém fundada Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de número seis. Vítima da tuberculose, faleceu na cidade de Nova Friburgo (RJ).
Casimiro de Abreu
Os aspectos formais de sua obra são considerados fracos, porém, sua temática revela grande importância no desenvolvimento da poesia romântica para as letras brasileiras. Sua linguagem simples, acompanhada por um ritmo fácil, rima pobre e repetitiva revelam um poeta empenhado na expressão dos sentimentos saudosistas com relação à pátria e à infância.
Essa última, em tom de profunda nostalgia, revela um tempo em que a vida era mais prazerosa, junto à natureza e longe dos afazeres e das responsabilidades da vida adulta.
Sua produção poética está reunida no volume As primaveras (1859) cujo poema mais conhecido é Meus oito anos, em que o poeta canta a saudade da infância vivida:
Meus oito anos
Oh que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
A sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais.
Naquelas tardes fagueiras,
A sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais.
Como são belos os dias
Do despontar da existência
Respira a alma inocência,
Como perfume a flor;
Do despontar da existência
Respira a alma inocência,
Como perfume a flor;
O mar é lago sereno,
O céu um manto azulado,
O mundo um sonho dourado,
A vida um hino de amor!
O céu um manto azulado,
O mundo um sonho dourado,
A vida um hino de amor!
(...)
Saiba mais:
O poema Meus oito anos é um dos mais populares da literatura brasileira, sendo parodiado por diversos autores, principalmente pelos poetas do período conhecido como Modernismo.
Junqueira Freire
Junqueira Freire (1832 - 1855) nasceu e faleceu em Salvador (BA). Monge beneditino, sacerdote e poeta, é conhecido por seus versos em que a tensão presente na vida religiosa está presente.
Faleceu jovem, aos vinte e três anos e deixou uma obra poética permeada pelo sofrimento em decorrência da saúde debilitada e da vida clerical, que impunha severas restrições ao espírito do jovem sacerdote.
Foi escolhido patrono da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de número vinte e cinco por indicação de Franklin Távora.
Junqueira Freire
Sua obra é conhecida pela tensão presente nos versos, que oscilam entre a vida espiritual, a religiosa e o mundo material. Junqueira Freire também é produto do seu tempo, revelando interesse em aspectos então contemporâneos, como a postura republicana e antimonárquica, fruto de sua desilusão com a vida religiosa.
A busca pela liberdade viria apenas com a morte. Sua obra mais famosa é Inspirações do claustro (1855) cujo poema mais famoso é Louco, veja abaixo:
Louco
(Hora de Delírio)
(Hora de Delírio)
Não, não é louco. O espírito somente
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre,
Aproxima-se mais à essência etérea.
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre,
Aproxima-se mais à essência etérea.
Achou pequeno o cérebro que o tinha:
Suas idéias não cabiam nele;
Seu corpo é que lutou contra sua alma,
E nessa luta foi vencido aquele,
Suas idéias não cabiam nele;
Seu corpo é que lutou contra sua alma,
E nessa luta foi vencido aquele,
Foi uma repulsão de dois contrários:
Foi um duelo, na verdade, insano:
Foi um choque de agentes poderosos:
Foi o divino a combater com o humano.
Foi um duelo, na verdade, insano:
Foi um choque de agentes poderosos:
Foi o divino a combater com o humano.
Agora está mais livre. Algum atilho
Soltou-se-lhe o nó da inteligência;
Quebrou-se o anel dessa prisão de carne,
Entrou agora em sua própria essência.
Soltou-se-lhe o nó da inteligência;
Quebrou-se o anel dessa prisão de carne,
Entrou agora em sua própria essência.
Agora é mais espírito que corpo:
Agora é mais um ente lá de cima;
É mais, é mais que um homem vão de barro:
É um anjo de Deus, que Deus anima.
Agora é mais um ente lá de cima;
É mais, é mais que um homem vão de barro:
É um anjo de Deus, que Deus anima.
Agora, sim - o espírito mais livre
Pode subir às regiões supernas:
Pode, ao descer, anunciar aos homens
As palavras de Deus, também eternas.
Pode subir às regiões supernas:
Pode, ao descer, anunciar aos homens
As palavras de Deus, também eternas.
E vós, almas terrenas, que a matéria
Os sufocou ou reduziu a pouco,
Não lhe entendeis, por isso, as frases santas.
E zombando o chamais, portanto: - um louco!
Os sufocou ou reduziu a pouco,
Não lhe entendeis, por isso, as frases santas.
E zombando o chamais, portanto: - um louco!
Não, não é louco. O espírito somente
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre.
Aproxima-se mais à essência etérea.
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre.
Aproxima-se mais à essência etérea.
Fagundes Varela
Luis Nicolau Fagundes Varela (1841 - 1875) nasceu em Rio Claro (RJ). Escreveu uma das mais belas poesias da literatura brasileira em homenagem ao filho morto.
Abandonou a faculdade de Direito, casou aos vinte e um anos e teve um filho. A morte do filho, aos três meses de vida, que serviu de inspiração para a composição de um dos seus poemas mais importantes, Cântico do Calvário.
A este fato também é atribuida a sua entrega ao alcoolismo, levando o poeta à depressão e à vida boêmia pelos bares. Ocupante da cadeira número onze da Academia Brasileira de Letras, por escolha de Lúcio de Mendonça.
Fagundes Varela
Em contrapartida, sua obra cresce consideravelmente em função das amarguras da vida causadas pelas perdas dos filhos (outro filho seu morre, também prematuramente) e da esposa. Ela é variada e gira em torno da exaltação da natureza e da pátria, da morte, do mal-do-século, do sentimento religioso, além de poemas que tratam da abolição da escravatura em que prega uma América livre, como é o caso dos poemas presentes no conjunto Vozes da América (1864). Faleceu jovem, aos trinta e três anos.
Veja abaixo, trecho do poema Cântico do Calvário:
Cântico do calvário
à memória de meu filho morto a 11 de dezembro de 1863
à memória de meu filho morto a 11 de dezembro de 1863
Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, a inspiração, a pátria,
O porvir de teu pai! - Ah! no entanto,
Pomba, - varou-te a flecha do destino!
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, a inspiração, a pátria,
O porvir de teu pai! - Ah! no entanto,
Pomba, - varou-te a flecha do destino!
Astro, - engoliu-te o temporal do norte!
Teto, - caíste!- Crença, já não vives!
Correi, correi, oh! lágrimas saudosas,
Legado acerbo da ventura extinta,
Dúbios archotes que a tremer clareiam
A lousa fria de um sonhar que é morto!
Teto, - caíste!- Crença, já não vives!
Correi, correi, oh! lágrimas saudosas,
Legado acerbo da ventura extinta,
Dúbios archotes que a tremer clareiam
A lousa fria de um sonhar que é morto!
(...)
Terceira geração romântica: condoreira
A terceira geração romântica é caracterizada pela poesia libertária influenciada, principalmente, pela obra político-social do escritor e poeta francês Victor Hugo, que originou a expressão "geração hugoana".
Além disso, a ave símbolo da geração é o condor, que habita o alto das cordilheiras dos Andes e representa a liberdade. Daí o nome da geração ser condoreira.
A poesia dessa geração é combativa e prima pela denúncia das condições dos escravos, decorrência do sistema econômico brasileiro, baseado no trabalho escravo. Os poetas dessa geração também clamam por uma poesia social em que a humanidade trabalhe por igualdade, justiça e liberdade.
Seus principais autores são Castro Alves e Sousândrade.
Castro Alves e Sousândrade
"Castro Alves do Brasil, hoje que o teu livro puro
torna a nascer para a terra livre,
deixa a mim, poeta da nossa América,
coroar a tua cabeça com os louros do povo.
Tua voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens.
Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar."
torna a nascer para a terra livre,
deixa a mim, poeta da nossa América,
coroar a tua cabeça com os louros do povo.
Tua voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens.
Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar."
Pablo Neruda
A seguir, estudaremos esses dois importantes autores.
Castro Alves
Castro Alves (1847 - 1871) nasceu em Curralinho e faleceu em Salvador (ambas na Bahia) em decorrência da tuberculose e de uma infecção no pé causada por acidente em uma caçada.
Considerado um dos poetas brasileiros mais brilhantes, Castro Alves tem sua obra dividida em duas grandes temáticas: poesia lírico-amorosa e a poesia social e das causas humanas.
Começou a escrever cedo e aos dezessete anos já tinha seus primeiros poemas e peças declamados e encenados. Aos vinte e um já havia conseguido a consagração entre os maiores escritores daquele tempo, como José de Alencar e Machado de Assis. É o patrono número sete da Academia Brasileira de Letras.
Castro Alves
Uma das principais características de sua obra é a eloquência, a utilização de hipérboles, de antíteses, de metáforas, comparações grandiosas e diversas figuras de linguagem, além da sugestão de imagens e do apelo auditivo. O poeta também faz referência a diversos fatos históricos ocorridos no país, tais como a Independência da Bahia, a Inconfidência Mineira (presente na peça O Gonzaga ou a Revolução de Minas),
Diferentemente dos poetas da primeira geração, individualistas e preocupados com a expressão dos próprios sentimentos, Castro Alves demonstra preocupação com os problema sociais presentes na sua época. Demonstra também um certo questionamento aos ideais de nacionalidade, pois, de que adiantava louvar um país cuja economia estava baseada na exploração de sua população (mais especificamente dos índios e dos negros)?
A visão do poeta demonstra paixão e fulgor pela vida, diferentemente dos poetas ultrarromânticos da geração precedente.
Seus trabalhos mais importantes são:
a) poesia lírico-amorosa: a poesia lírico-amorosa está associada ao período em que o poeta esteve envolvido com a atriz portuguesa Eugênia Câmara. Assim, a virgem idealizada dá lugar a uma mulher de carne e osso e sensualizada. No entanto, o poeta ainda é um jovem inocente e terno em face a sua amada corporificada e cheia de desejo.
Seus poemas mais famosos dessa fase estão presentes em sua primeira publicação, Espumas Flutuantes (1870), conjunto de 53 poemas que versam sobre a transitoriedade da vida frente à morte, sobre o amor no plano espiritual e físico, que apela para o sentimental e para o sensual e sensorial. Além disso, o romance com a atriz portuguesa acendeu no poeta o desejo de escrever sobre esperança e desespero.
Veja um trecho:
Boa-Noite
Boa-noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa-noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa-noite!... E tu dizes — Boa-noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito
— Mar de amor onde vagam meus desejos.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa-noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa-noite!... E tu dizes — Boa-noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito
— Mar de amor onde vagam meus desejos.
(...)
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.
Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.
Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!
Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora...
Marion! Marion!... É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!...
Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
— Boa-noite!, formosa Consuelo!...
Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora...
Marion! Marion!... É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!...
Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
— Boa-noite!, formosa Consuelo!...
Neste poema, o poeta, apaixonado, não se contenta com apenas uma amante, e mostra envolvimento com diferentes mulheres (Maria, Marion, Consuelo...), todas belas e sensuais, se oferecendo para que o poeta, meigo e inocente, não vá embora.
Outro poema famoso deste conjunto é O Livro e a América, em que o poeta incentiva a leitura e a produção literária no país:
(...)
Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto --
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe -- que faz a palma,
É chuva -- que faz o mar.
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto --
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe -- que faz a palma,
É chuva -- que faz o mar.
(...)
b) poesia social: poeta da liberdade, Castro denuncia as desigualdades sociais e a situação da escravidão no país, além de solidarizar-se com os negros, que eram trazidos de modo precário dentro dos navios negreiros. Castro clamava à natureza e às entidades divinas para que vissem a injustiça cometida pelos homens sobre os homens e intervissem para que a viagem rumo ao Brasil fosse interrompida.
Graças a sua obra empenhada na denúncia das condições dos negros, ficou conhecido como "o poeta dos escravos", por solidarizar-se com a situação dos que aqui vinham e eram submetidos a todo tipo de trabalho em condições desumanas.
As obras mais importantes dessa fase são:
Vozes D'África: Navio Negreiro (1869)
A Cachoeira de Paulo Afonso (1876)
Os Escravos (1883)
Veja trecho de Navio Negreiro:
Canto VI
Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Didivido em seis cantos, segundo a divisão clássica da epopeia:
1º canto: descrição do cenário;
2º canto: elogio aos marinheiros;
3º canto: horror - visão do navio negreiro em oposição ao belo cenário;
4º canto: descrição do navio e do sofrimento dos escravos;
5º canto: imagem do povo livre em suas terras, em oposião ao sofrimento no navio;
6º canto: o poeta discorre sobre a África que é, ao mesmo tempo tempo, um país livre, acaba por se beneficiar economicamente da escravidão.
O poema épico é eloquente e verborrágico. Embora o último navio negreiro que tenha chegado ao país date de 1855, a escravidão ainda era parte do sistema econômico brasileiro.
Saiba mais:
eloquente - que é convincente, persuasivo e expressivo; que se expressa de maneira loquaz.
verborrágico - que se expressa utilizando muitas palavras nem sempre providas de uma ideia lógica.
Curiosidades:
(1) A poesia de Castro Alves já demonstra aspectos, temáticas e tendências do movimento chamado Realista, que "nega" os preceitos românticos embora sua obra seja romântica.
(2) Em 1941 o escritor baiano Jorge Amado escreveu o ABC de Castro Alves, uma biografia sobre o poeta e sua obra. Há um trecho que exemplifica bem tanto a poesia amorosa quando a poesia social do poeta baiano:
Este, cuja história vou te contar, foi amado e amou muitas mulheres. Vieram brancas, judias e mestiças, tímidas e afoitas, para os seus braços e para o seu leito. Para uma, no entanto, guardou ele suas melhores palavras, as mais doces, as mais ternas, as mais belas. Essa noiva tem um nome lindo, negra: Liberdade.
Sousândrade
Joaquim de Sousa Andrade (1833 - 1902), mais conhecido como Sousândrade, nasceu e faleceu no Maranhão, porém, viveu grande parte da sua vida entre o Brasil, a Europa e os Estados Unidos.
Autor de vasta obra, seu trabalho mais importante é fruto de suas viagens, responsáveis pelo contato com realidades diferentes ao redor do mundo. O aspecto que mais o diferencia dos outros poetas brasileiros é a originalidade da sua poesia, principalmente com relação à ousadia de vocabulário com o uso de palavras em inglês e neologismos, bem como de palavras indígenas.
Além disso, a sonoridade dos poemas também rompe com a métrica e com o ritmo tradicionais, o que despertou a atenção da crítica literária do século XX.
Sousândrade
Seu trabalho, então esquecido, foi resgatado na década de 1960 pela crítica literária, principalmente pelos poetas Haroldo e Augusto de Campos, responsáveis pela análise de sua obra.
Seu poema mais famoso é o Guesa Errante, escrito entre 1858 e 1888, composto por treze cantos e inspirado em uma lenda andina na qual um adolescente, o Guesa, seria sacrificado em oferecimento aos deuses.
O índio, porém, consegue fugir e passa a morar em uma das maiores ruas de Nova York, a Wall Street. Os sacerdotes que o perseguiam estão agora transformados em capitalistas da grande cidade de Nova Iork e ainda querem o sangue do Guesa, que vê o capitalismo consollidado como uma doença.
Dotada de pinceladas autobiográficas, o Guesa Errante denuncia o drama dos povos indígenas à exploração dos povos europeus.
Veja um trecho do poema:
(...)
"Nos áureos tempos, nos jardins da América
Infante adoração dobrando a crença
Ante o belo sinal, nuvem ibérica
Em sua noite a envolveu ruidosa e densa.
"Cândidos Incas! Quando já campeiam
Os heróis vencedores do inocente
Índio nu; quando os templos s'incendeiam,
Já sem virgens, sem ouro reluzente,
"Sem as sombras dos reis filhos de Manco,
Viu-se... (que tinham feito? e pouco havia
A fazer-se...) num leito puro e branco
A corrupção, que os braços estendia!
"E da existência meiga, afortunada,
O róseo fio nesse albor ameno
Foi destruído. Como ensanguentada
A terra fez sorrir ao céu sereno!
Infante adoração dobrando a crença
Ante o belo sinal, nuvem ibérica
Em sua noite a envolveu ruidosa e densa.
"Cândidos Incas! Quando já campeiam
Os heróis vencedores do inocente
Índio nu; quando os templos s'incendeiam,
Já sem virgens, sem ouro reluzente,
"Sem as sombras dos reis filhos de Manco,
Viu-se... (que tinham feito? e pouco havia
A fazer-se...) num leito puro e branco
A corrupção, que os braços estendia!
"E da existência meiga, afortunada,
O róseo fio nesse albor ameno
Foi destruído. Como ensanguentada
A terra fez sorrir ao céu sereno!
(...)
Prosa no Romantismo
Segunda metade do século XIX
O desenvolvimento da prosa no período romântico coincide com o desenvolvimento do romance como um gênero novo que, no Brasil, chegou graças à influência dos romances europeus e do surgimento dos jornais - que publicavam, diariamente, os folhetins, isto é, capítulos de histórias que compunham um romance.
As primeiras manifestações no gênero estavam empenhadas na descrição dos costumes da classe dominante na cidade do Rio de Janeiro, que agora vivia um grande período de urbanização, e de algumas amenidades da vida no campo. Ou então, apresentavam personagens selvagens, concebidos pela ideologia e imaginação do período romântico como idealização do herói nacional por excelência: o índio.
Cronologicamente, o primeiro romance romântico publicado no Brasil foi O filho do pescador (1843), de Teixeira de Souza. Porém, como o romance apresenta enredo confuso e foi considerado pelo público como "sentimentaloide", A Moreninha (1844), de Joaquim Manoel Macedo, viria a ser considerado o primeiro romance efetivamente brasileiro por receber uma maior aceitação do público e por definir as linhas dos romance brasileiro.
A Moreninha, de Joaquim Manoel Macedo
Os principais autores do período são:
- Joaquim Manoel de Macedo
- Manuel Antônio de Almeida
- José de Alencar
- Martins Pena (constituindo o teatro nacional)
- Manuel Antônio de Almeida
- José de Alencar
- Martins Pena (constituindo o teatro nacional)
A partir de agora estudaremos cada um deles.
Autores do Romantismo (prosa)
Joaquim Manuel de Macedo
Joaquim Manuel de Macedo (1820 - 1882) nasceu e faleceu na cidade do Rio de Janeiro. Formado em medicina, exerceu a carreira por pouco tempo dedicando-se posteriormente à vida literária e ao ensino.
É o patrono da cadeira de número vinte da Academia Brasileira de Letras. É considerado um dos romancistas mais importantes do período por ter inaugurado o romance romântico brasileiro, em termos de temática, estrutura e desenvolvimento de enredo.
Este último se desenvolve da seguinte maneira, com o seguinte movimento: descrição do ambiente, surgimento de um conflito, resolução do mistério e restabelecimento do ambiente pacífico inicial.
Joaquim Manuel de Macedo
Seu principal romance é A Moreninha (1844), em que estão representados os costumes da elite carioca da década de 1840, bem como suas festas e tradições (viajar para o litoral era um costume das famílias pertencentes à elite), e hábitos da juventude burguesa do Rio de Janeiro.
Ainda, segundo o professor Roger Rouffiax, "a fidelidade com que o romancista descreveu os ambientes e costumes serviu como um documentário sobre a vida urbana na capital do Império."
Outras obras do autor são O Moço Loiro (1845) e A Luneta Mágica (1869).
A Moreninha
Em uma viagem ao litoral, Augusto, Filipe e outros dois amigos, todos estudantes de medicina, fazem uma aposta: Augusto não se apaixonaria por nenhuma moça durante o período em que eles permaneceriam de férias no litoral. Caso o estudante perdesse a aposta, deveria escrever um romance contando a sua história de amor.
Na praia, mais especificamente na casa da avó de Filipe, em Paquetá, Augusto acaba se apaixonando por Carolina, irmã de Filipe. Os dois passam a se conhecer melhor e o jovem recorda que, quando criança, havia jurado amor a uma menina naquela praia e cujo nome desconhecia. Recorda também que havia dado a ela um camafeu, isto é, um broche adornado com pedras, como símbolo do verdadeiro amor.
Carolina então revela a Augusto que possui um camafeu igual ao descrito pelo moço, o qual havia ganhado de um menino por quem havia se apaixonado e jurado amor quando criança.
A coincidência faz com que os dois relembrem da infância e descubram que eram os amantes prometidos. Augusto, então, revive a paixão pela menina e pede Carolina em casamento. Perdida a aposta, Augusto escreve um romance. O título do livro foi dado pelo protagonista fazendo referência aos aspectos físicos de Carolina, e seu apelido carinhoso dado pelas pessoas mais próximas, "a moreninha".
Saiba mais:
camafeu: é um adorno, mais especificamente um broche ou pingente, esculpido em pedra de maneira a formar uma figura em relevo. De origem persa, o artefato foi muito usado pelas classes mais altas europeia que influenciaram a moda dno Rio de Janeiro no século XIX.
Trechos Selecionados:
A Moreninha, por Tarsila do Amaral
Capítulo I - Aposta Imprudente
(...)
— Que vaidoso!… te digo eu, exclamou Filipe.
— Ora, esta não é má!... Então vocês querem governar o meu coração?...
— Não; porém eu torno a afirmar que tu amarás uma de minhas primas durante todo o tempo que for da vontade dela.
— Que mimos de amor que são as primas deste senhor!
— Eu te mostrarei.
— Juro que não.
Aposto que sim.
— Aposto que não.
— Papel e tinta: escreva-se a aposta.
— Mas tu me dás muita vantagem, e eu rejeitarei a menor. Tens apenas duas primas: é um número de feiticeiras muito limitado. Não sejam só elas as únicas magas que em teu favor invoquem para me encantar: meus sentimentos ofendem, talvez, a vaidade de todas as belas; todas as belas, pois, tenham o direito de te fazer ganhar a aposta, meu valente campeão do amor constante!
— Como quiseres, mas escreve.
— E quem perder?...
— Pagará a todos nós um almoço no Pharoux, disse Fabrício.
Qual almoço! acudiu Leopoldo. Pagará um camarote no primeiro drama novo que representar o nosso João Caetano.
— Nem almoço, nem camarote, concluiu Filipe; se perderes, escreverás a história da tua derrota; e se ganhares, escreverei o triunfo da tua inconstância.
— Bem, escrever-se-á um romance, e um de nós dois, o infeliz, será o autor.
Augusto escreveu primeira, segunda e terceira vez o termo da aposta; mas depois de longa e vigorosa discussão, em que qualquer dos quatro falou duas vezes sobre a matéria, uma para responder e dez ou doze pela ordem; depois de se oferecerem quinze emendas e vinte artigos aditivos, caiu tudo por grande maioria, e entre bravos, apoiados e aplausos, foi aprovado, salva a redação, o seguinte termo:
"No dia 20 de julho de 18... na sala parlamentar da casa n° ... da rua de..., sendo testemunhas os estudantes Fabrício e Leopoldo, acordaram Filipe e Augusto, também estudantes, que, se até o dia 20 de agosto do corrente ano, o segundo acordante tiver amado a uma só mulher durante quinze dias ou mais, será obrigado a escrever um romance em que tal acontecimento confesse; e, no caso contrário, igual pena sofrerá o primeiro acordante. Sala parlamentar, 20 de julho de 18... Salva a redação".
Como testemunhas — Fabrício e Leopoldo.
Acordantes — Filipe e Augusto.
E eram oito horas da noite quando se levantou a sessão. (...)
— Ora, esta não é má!... Então vocês querem governar o meu coração?...
— Não; porém eu torno a afirmar que tu amarás uma de minhas primas durante todo o tempo que for da vontade dela.
— Que mimos de amor que são as primas deste senhor!
— Eu te mostrarei.
— Juro que não.
Aposto que sim.
— Aposto que não.
— Papel e tinta: escreva-se a aposta.
— Mas tu me dás muita vantagem, e eu rejeitarei a menor. Tens apenas duas primas: é um número de feiticeiras muito limitado. Não sejam só elas as únicas magas que em teu favor invoquem para me encantar: meus sentimentos ofendem, talvez, a vaidade de todas as belas; todas as belas, pois, tenham o direito de te fazer ganhar a aposta, meu valente campeão do amor constante!
— Como quiseres, mas escreve.
— E quem perder?...
— Pagará a todos nós um almoço no Pharoux, disse Fabrício.
Qual almoço! acudiu Leopoldo. Pagará um camarote no primeiro drama novo que representar o nosso João Caetano.
— Nem almoço, nem camarote, concluiu Filipe; se perderes, escreverás a história da tua derrota; e se ganhares, escreverei o triunfo da tua inconstância.
— Bem, escrever-se-á um romance, e um de nós dois, o infeliz, será o autor.
Augusto escreveu primeira, segunda e terceira vez o termo da aposta; mas depois de longa e vigorosa discussão, em que qualquer dos quatro falou duas vezes sobre a matéria, uma para responder e dez ou doze pela ordem; depois de se oferecerem quinze emendas e vinte artigos aditivos, caiu tudo por grande maioria, e entre bravos, apoiados e aplausos, foi aprovado, salva a redação, o seguinte termo:
"No dia 20 de julho de 18... na sala parlamentar da casa n° ... da rua de..., sendo testemunhas os estudantes Fabrício e Leopoldo, acordaram Filipe e Augusto, também estudantes, que, se até o dia 20 de agosto do corrente ano, o segundo acordante tiver amado a uma só mulher durante quinze dias ou mais, será obrigado a escrever um romance em que tal acontecimento confesse; e, no caso contrário, igual pena sofrerá o primeiro acordante. Sala parlamentar, 20 de julho de 18... Salva a redação".
Como testemunhas — Fabrício e Leopoldo.
Acordantes — Filipe e Augusto.
E eram oito horas da noite quando se levantou a sessão. (...)
Epílogo
A chegada de Filipe, Fabrício e Leopoldo veio dar ainda mais viveza ao prazer que reinava na gruta. O projeto de casamento de Augusto e d. Carolina não podia ser um mistério para eles, tendo sido, como foi, elaborado por Filipe. de acordo com o pai do noivo, que fizera a proposta, e com o velho amigo, que ainda no dia antecedente viera concluir os ajustes com a senhora d. Ana e portanto, o tempo que se gastaria em explicações passou-se em abraços.
— Muito bem! Muito bem! disse por fim Filipe; quem pôs o fogo ao pé da pólvora fui eu, eu que obriguei Augusto a vir passar o dia de Sant’Ana conosco.
— Então estás arrependido?...
— Não, por certo, apesar de me roubares minha irmã. Finalmente para este tesouro sempre teria de haver uni ladrão: ainda bem que foste tu que o ganhaste.
— Mas, meu maninho, ele perdeu ganhando...
— Como?...
Estamos no dia 20 de agosto: um mês!
— E verdade! Um mês!... exclamou Filipe.
— Um mês! ... gritaram Fabrício e Leopoldo.
— Eu não entendo isto, disse a senhora d. Ana.
Minha boa avó, acudiu a noiva, isto quer dizer que, finalmente, está presa a borboleta.
— Minha boa avó, exclamou Filipe, isto quer dizer que Augusto deve-me um romance.
— Já está pronto, respondeu o noivo.
— Como se intitula?
A Moreninha.
— Então estás arrependido?...
— Não, por certo, apesar de me roubares minha irmã. Finalmente para este tesouro sempre teria de haver uni ladrão: ainda bem que foste tu que o ganhaste.
— Mas, meu maninho, ele perdeu ganhando...
— Como?...
Estamos no dia 20 de agosto: um mês!
— E verdade! Um mês!... exclamou Filipe.
— Um mês! ... gritaram Fabrício e Leopoldo.
— Eu não entendo isto, disse a senhora d. Ana.
Minha boa avó, acudiu a noiva, isto quer dizer que, finalmente, está presa a borboleta.
— Minha boa avó, exclamou Filipe, isto quer dizer que Augusto deve-me um romance.
— Já está pronto, respondeu o noivo.
— Como se intitula?
A Moreninha.
Curiosidades:
(1) A Moreninha é um exemplo de Metalinguagem, pois é um romance supostamente escrito por um de seus personagens. A metalinguagem é caracterizada pela propriedade que a língua tem de falar sobre si mesma e de mesclar o que existe na ficção com a realidade.
(2) Muitos dos aspectos encontrados no romance são considerados clichês nos dias de hoje. Isto é, são situações e/ou frases que se tornaram lugar-comum na literatura principalmente no que diz respeito às histórias de amor, criadas pelos romancistas brasileiros cujos enredos sempre terminam em um final feliz.
Esse é um dos motivos pelo qual Joaquim Manoel Macedo é considerado o fundador do romance brasileiro, por ter iniciado um gênero novo e incluído todo um estilo e situações novas na literatura brasileira.
Manuel Antônio de Almeida
Manuel Antônio de Almeida (1830 - 1861) nasceu no Rio de Janeiro e faleceu em Macaé (também no estado do Rio de Janeiro), vítima de um naufrágio. Formado em medicina, abandonou o ofício para se dedicas às letras, sendo nomeado, posteriormente administrador da Tipografia Nacional.
Foi um importante fomentador das letras brasileiras. Seu romance mais famoso, Memórias de um Sargento de Milícias, foi publicado em formato de folhetim entre os anos de 1852 e 1853 no periódico Correio Mercantil do Rio de Janeiro. A ideia para a composição do romance surgiu após ouvir as histórias de um colega de jornal, um antigo sargento comandado pelo Major que inspirou o personagem homônimo do livro.
O romance é uma obra inovadora para sua época pois rompe com o retrato exclusivo da vida e dos hábitos da aristocracia para retratar o ambiente e a linguagem do povo em sua simplicidade. Além disso, Leonardinho, o protagonista, não é o protótipo do herói romântico, mas sim, um menino travesso que mais tarde se transforma em um jovem pícaro, dado à vadiagem e à malandragem no lugar de procurar uma ocupação.
Manuel Antônio de Almeida
O gênero picaresco
O gênero picaresco, na literatura, é caracterizado pela narrativa de um pícaro, sinônimo para malandro. O personagem é, geralmente, um garoto inocente e puro que é corrompido e desiludido à medida em que cresce e toma contato com a realidade do mundo adulto.
Nas suas origens espanholas e medievais, o personagem sempre termina desiludido e adaptado às condições de um mundo na miséria ou em um casamento que não lhe proporciona nenhum tipo de prazer. No entanto, no romance brasileiro o "pícaro" Leonardinho difere um pouco do espanhol por não ser um personagem tão inocente e por terminar feliz em sua vida adulta e em seu casamento.
Se há tantas rupturas, o que faz de Manoel Antônio de Almeida um escritor do romantismo brasileiro? Embora haja muitas convenções do romance romântico em sua obra, tais como o tom irônico e satírico do narrador, o estilo frouxo, a linguagem descuidada e o final feliz do romance, o livro inova por envolve personagens das classes mais baixas da sociedade, o clero e a milícia além de não idealizar seus personagens.
O compadre quer ver Leonardinho instruído pois quer vê-lo como padre ou formado em Direito, diferentemente do romance pícaro original, em que os protagonistas precisam fazer trabalhos manuais (geralmente nas posições mais baixas como criado ou ajudante de cozinheiro) para garantir seu sustento.
Além disso, ao final do romance, ele casa com seu amor e recebe "cinco heranças" sem precisar trabalhar para isso. O que faz de Leonardinho um pícaro com características à parte e o transforma em mais um tipo brasileiro.
O romance é considerado por alguns teóricos como o primeiro romance realmente de costumes brasileiro por retratar a sociedade em toda a sua simplicidade e Manoel Antonio de Almeida é por vezes considerado um autor de transição entre o Romantismo e o período seguinte, o Realismo.
Além disso, o autor traz para o enredo elementos que até então não eram retratados pelos romancistas, como acampamentos de ciganos e bares frequentados pelas camadas sociais mais baixas.
Memórias de um Sargento de Milícias (1852)
Publicado em formato de folhetim, o romance narra a história de Leonardinho, filho dos portugueses Leonardo Pataca e Maria-da-Hortaliça que chegam ao Rio de Janeiro. Na viagem em direção ao Brasil, Leonardo dá uma pisadela em Maria, que retruca com um beliscão. "Nove meses depois, filho de uma pisadela e um beliscão, nascia Leonardo." Porém, abandonado pelos pais, acaba sendo criado pelo compadre barbeiro. Largado à vagabundagem, o personagem é o protótipo do malandro brasileiro.
Veja trecho abaixo:
Capítulo I - Origem, nascimento e batizado
(...)
Sua história tem pouca coisa de notável. Fora Leonardo algibebe em Lisboa, sua pátria; aborrecera-se porém do negócio, e viera ao Brasil. Aqui chegando, não se sabe por proteção de quem, alcançou o emprego de que o vemos empossado, e que exercia, como dissemos, desde tempos remotos. Mas viera com ele no mesmo navio, não sei fazer o quê, uma certa Maria da hortaliça, quitandeira das praças de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitona. O Leonardo, fazendo-se-lhe justiça, não era nesse tempo de sua mocidade mal-apessoado, e sobretudo era maganão. Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada à borda do navio, o Leonardo fingiu que passava distraído por junto dela, e com o ferrado sapatão assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito. A Maria, como se já esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e deu-lhe também em ar de disfarce um tremendo beliscão nas costas da mão esquerda. Era isto uma declaração em forma, segundo os usos da terra: levaram o resto do dia de namoro cerrado; ao anoitecer passou-se a mesma cena de pisadela e beliscão, com a diferença de serem desta vez um pouco mais fortes; e no dia seguinte estavam os dois amantes tão extremosos e familiares, que pareciam sê-lo de muitos anos.
Quando saltaram em terra começou a Maria a sentir certos enojos: foram os dois morar juntos: e daí a um mês manifestaram-se claramente os efeitos da pisadela e do beliscão; sete meses depois teve a Maria um filho, formidável menino de quase três palmos de comprido, gordo e vermelho, cabeludo, esperneador e chorão; o qual, logo depois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem largar o peito. E este nascimento é certamente de tudo o que temos dito o que mais nos interessa, porque o menino de quem falamos é o herói desta história.
(...)
Capítulo II - Primeiros Infortúnios
(...)
Logo que pôde andar e falar tornou-se um flagelo; quebrava e rasgava tudo que lhe vinha à mão. Tinha uma paixão decidida pelo chapéu armado do Leonardo; se este o deixava por esquecimento em algum lugar ao seu alcance, tomava-o imediatamente, espanava com ele todos os móveis, punha-lhe dentro tudo que encontrava, esfregava-o em uma parede, e acabava por varrer com ele a casa; até que a Maria, exasperada pelo que aquilo lhe havia custar aos ouvidos, e talvez às costas, arrancava-lhe das mãos a vítima infeliz. Era, além de traquinas, guloso; quando não traquinava, comia. A Maria não lhe perdoava; trazia-lhe bem maltratada uma região do corpo; porém ele não se emendava, que era também teimoso, e as travessuras recomeçavam mal acabava a dor das palmadas.
Assim chegou aos 7 anos.
Afinal de contas a Maria sempre era saloia, e o Leonardo começava a arrepender-se seriamente de tudo que tinha feito por ela e com ela. E tinha razão, porque, digamos depressa e sem mais cerimônias, havia ele desde certo tempo concebido fundadas suspeitas de que era atraiçoado. Havia alguns meses atrás tinha notado que um certo sargento passava-lhe muitas vezes pela porta, e enfiava olhares curiosos através das rótulas: uma ocasião, recolhendo-se, parecera-lhe que o vira encostado à janela. Isto porém passou sem mais novidade.
Depois começou a estranhar que um certo colega seu o procurasse em casa, para tratar de negócios do oficio, sempre em horas desencontradas: porém isto também passou em breve. Finalmente aconteceu-lhe por três ou quatro vezes esbarrar-se junto de casa com o capitão do navio em que tinha vindo de Lisboa, e isto causou-lhe sérios cuidados. Um dia de manhã entrou sem ser esperado pela porta adentro; alguém que estava na sala abriu precipitadamente a janela, saltou por ela para a rua, e desapareceu.
À vista disto nada havia a duvidar: o pobre homem perdeu, como se costuma dizer, as estribeiras; ficou cego de ciúme. Largou apressado sobre um banco uns autos que trazia embaixo do braço, e endireitou para a Maria com os punhos cerrados.
— Grandessíssima!...
E a injúria que ia soltar era tão grande que o engasgou... e pôs-se a tremer com todo o corpo.
A Maria recuou dois passos e pôs-se em guarda, pois também não era das que se receava com qualquer coisa.
— Tira-te lá, ó Leonardo!
— Não chames mais pelo meu nome, não chames... que tranco-te essa boca a socos...
— Safe-se daí! Quem lhe mandou pôr-se aos namoricos comigo a bordo?
Isto exasperou o Leonardo; a lembrança do amor aumentou-lhe a dor da traição, e o ciúme e a raiva de que se achava possuído transbordaram em socos sobre a Maria, que depois de uma tentativa inútil de resistência desatou a correr, a chorar e a gritar:
— Ai... ai... acuda, Sr. compadre... Sr. compadre!...
Porém o compadre ensaboava nesse momento a cara de um freguês, e não podia largá-lo. Portanto a Maria pagou caro e por junto todas as contas. Encolheu-se a choramingar em um canto.
O menino assistira a toda essa cena com imperturbável sangue-frio: enquanto a Maria apanhava e o Leonardo esbravejava, este ocupava-se tranqüilamente em rasgar as folhas dos autos que este tinha largado ao entrar, e em fazer delas uma grande coleção de cartuchos.
Quando, esmorecida a raiva, o Leonardo pôde ver alguma coisa mais do que seu ciúme, reparou então na obra meritória em que se ocupava o pequeno. Enfurece-se de novo: suspendeu o menino pelas orelhas, fê-lo dar no ar uma meia-volta, ergue o pé direito, assenta-lhe em cheio sobre os glúteos, atirando-o sentado a quatro braças de distância.
— És filho de uma pisadela e de um beliscão; mereces que um pontapé te acabe a casta.
(...)
E a injúria que ia soltar era tão grande que o engasgou... e pôs-se a tremer com todo o corpo.
A Maria recuou dois passos e pôs-se em guarda, pois também não era das que se receava com qualquer coisa.
— Tira-te lá, ó Leonardo!
— Não chames mais pelo meu nome, não chames... que tranco-te essa boca a socos...
— Safe-se daí! Quem lhe mandou pôr-se aos namoricos comigo a bordo?
Isto exasperou o Leonardo; a lembrança do amor aumentou-lhe a dor da traição, e o ciúme e a raiva de que se achava possuído transbordaram em socos sobre a Maria, que depois de uma tentativa inútil de resistência desatou a correr, a chorar e a gritar:
— Ai... ai... acuda, Sr. compadre... Sr. compadre!...
Porém o compadre ensaboava nesse momento a cara de um freguês, e não podia largá-lo. Portanto a Maria pagou caro e por junto todas as contas. Encolheu-se a choramingar em um canto.
O menino assistira a toda essa cena com imperturbável sangue-frio: enquanto a Maria apanhava e o Leonardo esbravejava, este ocupava-se tranqüilamente em rasgar as folhas dos autos que este tinha largado ao entrar, e em fazer delas uma grande coleção de cartuchos.
Quando, esmorecida a raiva, o Leonardo pôde ver alguma coisa mais do que seu ciúme, reparou então na obra meritória em que se ocupava o pequeno. Enfurece-se de novo: suspendeu o menino pelas orelhas, fê-lo dar no ar uma meia-volta, ergue o pé direito, assenta-lhe em cheio sobre os glúteos, atirando-o sentado a quatro braças de distância.
— És filho de uma pisadela e de um beliscão; mereces que um pontapé te acabe a casta.
(...)
Vocabulário:
algibebe - negociante de roupas feitas.
saloia - pessoa que vive no campo.
maganão - malicioso, travesso.
Tejo - rio que banha a Península Ibérica.
atraiçoado - traído, enganado.
rótulas - grade de madeira que ocupa o vão de uma janela.
perder as estribeiras - atrapalhar-se.
saloia - pessoa que vive no campo.
maganão - malicioso, travesso.
Tejo - rio que banha a Península Ibérica.
atraiçoado - traído, enganado.
rótulas - grade de madeira que ocupa o vão de uma janela.
perder as estribeiras - atrapalhar-se.
José de Alencar
José de Alencar (1829 - 1877) nasceu em Messejana, no Ceará, e faleceu no Rio de Janeiro.
Advogado, jornalista e romancista, teve papel fundamental para o desenvolvimento do romance e do pensamento intelectual no Brasil do século XIX. É patrono número vinte e três da Academia Brasileira de Letras por escolha de Machado de Assis.
Primeiro escritor romântico a desenvolver o romance com temas mais variados e abrangentes do que seus sucessores. Alencar empenhou-se em retratar diversas esferas e incluir o maior número de tipos de personagens até então vistos na literatura brasileira.
José de Alencar
Alencar não se contentou somente com a sociedade burguesa carioca de seu tempo mas, também, empenhou-se nos tipos brasileiros como o gaúcho e o sertanejo. Sua intenção era de retratar um painel geral do país, de norte a sul, além de tentar estabelecer uma linguagem brasileira.
Segundo o crítico José de Nicola em seu Literatura Brasileira: das origens aos nossos dias (ed. Scipione, 2001), a obra de José de Alencar é um retrato de suas condições políticas e sociais: grande proprietário de terras, político e conservador, monarquista, nacionalista exagerado e escravocrata. O romancista transparece essas posições em sua obra, como se pode perceber na maneira como retrata os índios e a sexualidade feminina em seus romances.
A seguir, veremos quais são suas principais obras e como elas são divididas.Obras
Os críticos costumam dividir em quatro as fases principais da produção de José de Alencar:
a) urbana ou social: Cinco Minutos (1856), A viuvinha (1860), Lucíola (1862), Diva (1864), A pata da gazela (1870), Sonhos d'ouro (1872), Senhora (1875), Encarnação (1893);
b) indianista: O Guarani (1857), Iracema (1865), Ubirajara (1874);
c) histórico: As Minas de Prata (1865), Guerra dos Mascates (1873);
d) regionalista: O gaúcho (1870), O Tronco do Ipê (1871), Til (1872), O Sertanejo (1875);
Curiosidade: no ano de 1856 Alencar publica uma série de cartas em resposta ao poema A Confederação dos Tamoios (1857), de Gonçalves de Magalhães.
A coletânea de oito cartas, pubilcada sob o título de Cartas sobre a confederação dos tamoios pretendia criticar o poema de Magalhães que, na época, era protegido do imperador Dom Pedro II. A crítica recai principalmente no modelo escolhido por Magalhães para seu poema, o épico, um gênero clássico que não seria adequado para cantar o índio brasileiro.
Além disso, critica a fraca musicalidade do poema, a falta de "arte" na descrição da natureza brasileira e dos costumes indígenas. No ano seguinte (1857), Alencar publica seu primeiro romance indianista, O Guarani como resposta ao poema de Magalhães.
a) romances urbanos ou sociais:
As características principais dos romances urbanos ou sociais são:
- final feliz ou ideal;
- prevalência do amor verdadeiro;
- protagonistas femininas (que refletem um "ideal de feminilidade");
- retrato das relações familiares;
- ambiente doméstico;
- casamentos;
- questões financeiras (heranças, dotes, títulos, falências...);
- prevalência do amor verdadeiro;
- protagonistas femininas (que refletem um "ideal de feminilidade");
- retrato das relações familiares;
- ambiente doméstico;
- casamentos;
- questões financeiras (heranças, dotes, títulos, falências...);
Os três romances mais conhecidos dessa fase são: Lucíola (1862), Diva (1864) e Senhora (1875) que fazem parte da chamada trilogia "perfis de mulheres". Eles retratam uma sociedade elegante marcada pela ascenção da burguesia carioca empenhada em seguir a moda das cidades europeias, mais notadamente de Paris, no que diz respeito tanto às vestimentas quanto à vida cultural no período do Segundo Reinado.
Os enredos, dramáticos, seguem uma estrutura tradicional das histórias de amor: situação inicial - conflito/quebra - reparação/solução. O drama quase sempre gira em torno de um jovem casal que precisa enfrentar obstáculos sociais, geralmente envolvendo questões financeiras, se quiserem ficar juntos.
Arrufos (1887), pintura de Belmiro de Almeida
Enredos
Lucíola (1862) - o romance conta a história de amor entre um jovem rapaz que chega ao Rio de Janeiro e a cortesã de luxo Lúcia. Narrado em primeira pessoa pelo personagem Paulo Silva, o romance é escrito sob a forma de cartas, enviadas por Paulo para uma senhora, G. M., que mais tarde as publica sob a forma de um romance.
Ao chegar na cidade, Paulo sai com um amigo para conhecer a cidade quando, na Rua das Mangueiras, avista uma bela moça dentro de um carro por quem se encanta. Dias depois, revê a moça na festa religiosa de Nossa Senhora da Glória e fica sabendo, no entanto, que a bela moça é a prostituta mais luxuosa e cobiçada da cidade. Paulo então a procura com desejo de possuí-la e os dois acabam se encantando um pelo outro, como amigos e amantes. Os amigos de Paulo tentam persuadí-lo acerca da índole da moça, além de sugerir que a moça é caprichosa, excêntrica e avarenta, o que faz com que o moço se questione acerca das intenções de Lúcia.
Um dos amigos de Paulo, o Sá, organiza uma festa na qual convida, entre outros, a Lúcia. A festa, na realidade, era apenas um pretexto para mostrar a Paulo que tipo de mulher era Lúcia. No meio da janta, ela se levanta e começa, nua, a imitar as poses lascivas dos quadros expostos na sala mediante pagamento dos convidados. Momentos mais tarde, os dois amantes se encontram no jardim e Lúcia se justifica, dizendo que fez o que fez em um momento de desespero, pois Paulo havia zombado dela anteriormente. Em seguida, os dois se entregam ao amor.
Paulo passa a viver com Lúcia, que se redime de sua condição de prostituta e deseja viver única e exclusivamente para seu amor. Para isso, deixa de frequentar a sociedade e volta-se para seu amor com Paulo. Cometida por um sentimento de amor puro, Lúcia transforma-se consideravelmente, passando a, inclusive, a não querer mais se entregar fisicamente para Paulo, que não compreende essa mudança de atitude. Esse novo estilo de vida levanta uma série de reprovações por parte dos amigos de Paulo, que reprovam sua atitute. Lúcia, querendo salvar-lhe a reputação, dispõe-se a voltar a aparecer em sociedade, acarretando mais reprovações por parte de Paulo. Os dois não se entendem mais e Lúcia adoece.
A partir de então, Paulo passa a respeitá-la, pois compreende que a moça, na verdade, o ama em espírito e confia nele a ponto de contar-lhe seus segredos e a história de sua vida. Ela, na verdade, chama-se Maria da Glória e era uma criança feliz e inocente até que, aos 14 anos, a febre amarela levou consigo toda sua família. Para sobreviver, precisou pedir ajuda a um rico vizinho, em troca de sua inocência. O pai, que sobrevivera graças a ajuda conseguida pela filha, expulsou a moça de casa ao saber da procedência do dinheiro. Maria da Glória, então, foi acolhida por uma caftina que a conduz à prostituição.
Na nova profissão, Maria da Glória fez amizade com outra moça que passara pelos mesmos infortúnios. Lúcia era seu nome, e a moça veio a falecer pouco tempo depois. Maria da Glória, então, colocou seu próprio nome no atestado de óbito e passou a assumir a identidade da amiga morta. Com a morte dos pais, a nova Lúcia passou a guardar todo o dinheiro possível para garantir a educação da irmã Ana, que passou a viver em um colégio. Lúcia, então, falece e pede a Paulo que cuide de sua irmã Ana como se fosse sua própria filha, para que nada falte à menina.
O final do romance é considerado "ideal", pois não rompe as barreiras sociais que recaíram sobre o casal. A união dos dois personagens não é apropriada, e não era vista com bons olhos pela sociedade conservadora da época. Por isso, Alencar precisou dar um fim trágico a sua personagem, porém, redimindo-a de sua vida de pecadora com a morte e com o amor verdadeiro.
É dito que o título do romance é uma alusão a Lúcifer, o diabo, dando a entender o caráter dúbio e incompreensível do amor e da sexualidade feminina.
Diva (1864) - dando continuidade às cartas para a senhora G. M., agora Paulo conta a história de amor entre seu amigo, o Dr. Augusto Amaral, e a jovem Emília. Paulo e Augusto se conheceram a bordo de um navio rumo ao Recife: enquanto Paulo permanecera em sua cidade natal, o outro, jovem médico, partira para Paris e lhe enviara um manuscrito, confessando ao amigo o amor pela moça, cujo conteúdo é o romance que se segue.
Emília é uma menina feia que cresce em meio ao luxo das grandes famílias ricas do Rio de Janeiro. Porém, quando muito jovem, contrai uma doença mas é salva pelo dr. Amaral. Dois anos mais tarde, depois de sua viagem, o jovem médico retorna à casa a convite de seu pai mas a mnina, agora uma bela moça, o ignora e mostra desdém.
Por "diva", compreende-se uma mulher que é muito bonita e altiva, com ares de divindade e superioridade e que é assim vista por seus admiradores. O título do romance é explicado a partir da descrição que o narrador (Augusto) faz de Emília:
Era alta e esbelta. Tinha um desses talhes flexíveis e lançados, que são hastes de lírio para o rosto gentil; porém na mesma delicadez do porte esculpiam-se os contornos mais graciosos com firme nitidez das linhas e uma deliciosa suavidade nos relevos.
Não era alva, também não era morena. Tinha sua tez a cor das pétalas da magnólia, quando vão desfalecendo ao beijo do sol. Mimosa cor de mulher, se a aveluda a pubescência juvenil, e a luz coa pelo fino tecido, e um sangue puro a escumilha de róseo matiz. A dela era assim.
Uma altivez de rainha cingia-lhe a fronte, como diadema cintilado na cabeça de um anjo. Hava em toda a sua pessoa um quer que fosse de sublime e excelso que a abstraía da terra. Contemplando-a naquele instante de enlevo, dir-se-ia que ela se preparava para sua celeste ascenção.
Mais adiante:
Por esse tempo Emília fez a sua entrada no Cassimo.
- Já viu a rainha do baile? disseram-me logo que cheguei.
- Ainda não. Quem é?
- A Duartezinha.
- Ah!
Realmente, a soberania da formosura e elegância, ela a tinha conquistado. Parecia que essa menina se guardara até aquele instante, para de improviso e no mais fidalgo salão da corte fazer sua brilhante metamorfose. Nessa noite ela quis ostentar-se deusa; e vestiu os fulgores da beleza, que desde então arrastavam após si a admiração geral.
- Já viu a rainha do baile? disseram-me logo que cheguei.
- Ainda não. Quem é?
- A Duartezinha.
- Ah!
Realmente, a soberania da formosura e elegância, ela a tinha conquistado. Parecia que essa menina se guardara até aquele instante, para de improviso e no mais fidalgo salão da corte fazer sua brilhante metamorfose. Nessa noite ela quis ostentar-se deusa; e vestiu os fulgores da beleza, que desde então arrastavam após si a admiração geral.
O romance passa a maior parte do tempo mostrando os "jogos" e conflitos entre os dois personagens e o esforço da parte de Augusto em compreender os motivos da atitude ríspida de Emília e meios para se aproximar da moça, por quem está muito interessado. Ao final do romance, Augusto declara seu amor por Emília, que diz não o amar. Porém, a moça se arrepende do que havia dito e assume que, na verdade, a paixão que ele sente por ela é recíproca. Ela então se rende ao amor que sente por ele e os dois ficam juntos.
O enredo denota as principais caracteristicas dos romancs urbanos de Alencar: um enredo simples, porém, com personagens psicologicamente mais elabordos do que os vistos até então na literatura brasileira. A descrição dos costumes da alta sociedade e da corte, do que se passava dentro dos salões e da intimidade das alcovas das senhoras munido de um vocabulário rebuscado fez de Alencar um escritor singular em seu tempo.
Curiosidade: No prólogo do romance, José de Alencar discursa sobre a produção de suas obras de acordo com o estilo utilizado. Ele havia recebido críticas acerca da composição por esta ser excessivamente composta por "galicismos". O autor discorda e afirma que, como defensor de uma língua em constante evolução, em oposição a um exagerado clacissismo, que em nada contribuiria para o desenvolvimento da língua na literatura. Com relação à "influência" do idioma estrangeiro, Alencar diz:
Sem o arremedo vil da locução alheia e a limitação torpe dos idioma estrangeiros,, devem as línguas aceitar algumas novas maneiras de dizer, graciosas e elegantes, que não repugnem ao seu gênio e organismo.
Logo, Alencar estava começando a defender um novo idioma falado e escrito no país que naturalmente se diferenciaria daquele falado no outro continente.
Saiba mais:
galicismo: utilização de palavras e/ou expressões de origem francesa.
clacissismo: utilização do estilo clássico nas artes, música, arquitetura e escultura.
Jardim com flores (1891), pintura de Belmiro de Almeida
Senhora (1875) - um dos romances mais conhecidos de Alencar, agora o narrador conta uma história aos leitores, não sendo mais Paulo (o narrador dos dois livros anteriores) quem assume a voz narrativa. Já no prólogo, há uma nota informando seus leitores de que os fatos contidos no romance tratam de uma história verídica a ele narrada.
Senhora conta a história de amor entre Aurélia Camargo, uma moça pobre e orfã que se apaixona pelo belo Fernando Seixas. Os dois noivam, porém, o moço se desilude por ela ser pobre e por ter esperanças de encontrar uma moça mais rica e, assim, faturar um dote significativo.
Inesperadamente, o avô de Aurélia falece, deixando para a moça uma vultosa herança transformando a moça antes pobre em uma das mais ricas mulheres da corte. A partir daí, Aurélia maquina um plano para se vingar de Fernando: por meio de seu tutor, o Sr. Lemos, ela manda uma proposta de casamento "anônima" a Fernando, oferecendo cem contos de réis (soma grandiosa para a aquela época). O moço, ambicioso e em péssimas condições financeiras, aceita a proposta, sem saber a identidade da noiva misteriosa.
No dia do casamento, quando o mistério é então resolvido, e os noivos se encontram, Aurélia anuncia que os dois viverão em aposentos separados e que aparecerão juntos apenas em público, para a sociedade. Fernando se arrepende da sua decisão e da sua leviandade e junta, com muito esforço, a soma anteriormente paga pelo dote e propõe a separação.
Apesar de conflituoso, o breve casamento uniu os dois personagens que, através da experiência, puderam amadurecer suas ideias sobre o amor e os sentimentos que nutriam um pelo outro. Por fim, os dois se reconciliam e conseguem resolver as diferenças. Novamente, temos um final feliz para um romance de Alencar.
Dividido em quatro partes: O Preço, Quitação, Posse e Resgate, a narrativa não segue uma ordem cronológica.
A primeira parte retrata os eventos em um tempo presente à narrativa, isto é, a apresentação de Aurélia na sociedade, a proposta de casamento à Fernando e a noite de núpcias, ao passo que Quitação trata do passado dos dois personagens.
Em Poss, temos novamente o tempo presente da narrativa e os principais conflitos entre os personagens. O amadurecimento de ambos e o gradual arrependimento de Fernando são as principais características dessa parte. Por fim, em Resgate, um ano após o casamento, Fernando entrega a Aurélia a soma correspondente ao valor do dote e propõe a separação. No entanto, Aurélia confessa que deixou toda sua fortuna como herança para Fernando.
A narrativa é em terceira pessoa e acompanha o enredo do ponto de vista do que acontece com Aurélia. Isto é, há um desenvolvimento psicológico da personagem ao mesmo tempo em que ela é idealizada pelo narrador.
O romance reflete as intenções de uma elite carioca, na figura de Fernando Seixas, que via o casamento como moeda de troca para a ascenção social. Enquanto a moça chora o amor perdido, o rapaz vai em busca de dinheiro fácil e que valoriza apenas as aparências. Alguns críticos consideram o romance como um dos precursores do realismo, que viria a ser desenvolvido em nossa literatura por Machado de Assis, ao questionar os valores da sociedade da época e dos casamentos motivados por interesse.
Segundo o crítico José de Nicola, o romance revela um confronto entre a velha sociedade de Alencar, aristocrática e rural, e a emergente sociedade burguesa, de comerciantes e capitalistas, que firmava raízes no Rio de Janeiro.
Saiba mais:
dote: é uma soma em dinheiro ou bens que a família da noiva dava ao noivo na ocasião do casamento. Era um meio de assegurar que a nova família possuísse meios para se sustentar até que o marido conseguisse uma fonte de renda ou que a família recebesse suas partes na herança.
conto de réis: moeda corrente no Brasil no século XIX.
A atriz Antônia Marzullo em peça baseada no romance Senhora (1942)
Os clichês do romantismo aparecem em peso nesse romance: o pesar com a perda do amor, a fortuna inesperada, o mistério, a redenção, o arrependimento e o final feliz com o casamento dos personagens principais.
Por fim, o romance é considerado um dos mais interessantes da literatura brasileira pela estrutura narrativa, pela crítica que faz à sociedade burguesa e pelo próprio enredo, que se destaca das demais obras até então produzidas no Brasil.
b) romances indianistas
Características principais:
- nacionalistas;
- exaltação da natureza;
- idealização do índio;
- temas históricos;
- resgate de lendas;
- índio como um herói, europeizado, quase medieval;
- contato do índio com o europeu colonizador;
- exaltação da natureza;
- idealização do índio;
- temas históricos;
- resgate de lendas;
- índio como um herói, europeizado, quase medieval;
- contato do índio com o europeu colonizador;
Os romances mais conhecidos da fase são O Guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874).
O Brasil, agora uma nação indepentende, precisava definir seus heróis nacionais e os autores indianistas viam o índio como o personagem ideal por este ser quem primeiro expressou amor às terras brasileiras, defendendo seu território e seu povo contra os colonizadores europeus.
Outros autores, como o Padre Anchieta, Basílio da Gama e Gonçalves Dias já haviam versado sobre a singularidade do índio brasileiro, porém, com o desenvolvimento da prosa e a popularização dos romances de folhetins, Alencar pôde não apenas criar histórias mas também desenvolver e difundir junto aos seus leitores um sentimento de nacionalidade mais abrangente e que tocasse em todos os seus leitores baseando-se nos heróis medievais europeus, símbolos de honra e bravura.
Enredos
O Guarani (1857) - publicado em formato de folhetim para o Diário do Rio de Janeiro durante o ano de 1857, O Guarani é provavelmente o romance de Alencar mais conhecido e aclamado, sendo considerado um clássico da literatura brasileira. O romance possui todos os elementos do romance romantico e indianista, principalmente por se tratar do contato entre os indígenas que aqui estavam com os europeus.
O romance é uma história de amor entre um índio e a filha de um fidalgo português D. Antônio de Mariz que viera às terras brasileiras recebidas por Mem de Sá, um dos primeiros administradores de terra da colônia.
Logo no Prólogo, Alencar avisa seus leitores de que a história que irá contar está presente em um manuscrito encontrado em um velho armário na ocasião da compra de sua casa, de maneira a se eximir caso o trabalho seja considerado ruim.
Dividido em quatro partes: Os Aventureiros, Peri, Os Aimorés e Catástrofe, o romance retorna ao ano de 1604, época em que os reinos de Portugal e Espanha ainda disputavam terras no novo continente. A trama inicia às margens do rio Paquequer, um afluente do rio Paraíba, onde está localizado a residência fortificada do fidalgo D. Antônio de Mariz, que vive com sua esposa, Dona Lauriana, seu filho Diogo, sua filha Cacília, sua sobrinha Isabel e o índio Peri. Na propriedade viviam também aventureiros que participavam de expedições, entre eles, Loredano, o ambicioso italiano que, mais adiante, torna-se o vilão do romance. Outro personagem importante para a trama é Álvaro de Sá, um jovem nobre de confiança do fidalgo português.
O romance, além do fundo histórico, é uma história de amor entre o índio Peri e Cecília, moça loira e de olhos azuis, descrita como dona de uma alma generosa e inocente. Peri é o índio imaginado dentro do ideal do "bom selvagem", do filósofo francês Russeau, isto é, o índio bom e incorruptível por estar cada vez mais distante da civilização.
O enredo de O Guarani se mostra mais complexo do que os demais romances de José de Alencar. Nele, há dois principais conflitos: entre os índios e os portugueses que se estabeleceram nas terras e entre os admiradores de Cecília (Peri, Álvaro e Loredano), que estavam interessados na mão da moça.
Resumo da obra:
Parte 1 -- Os Aventureiros
O romance inicia com o aventureiro Álvaro de Sá e seus companheiros que, ao retornarem do Rio de Janeiro, encontram um selvagem, Peri, que se encontrava frente a frente com uma onça com o intuito de agradar a sua senhora Cecília. O jovem índio havia abandonado sua tribo, os Goitacás, por causa da linda jovem.
Álvaro também se apaixona por Cecília e tenta se aproximar deixando um presente em sua janela. Loredano, enciumado, derruba o presente da janela aos olhos de Peri.
No dia seguinte, Ceci e Isabel vão tomar banho de rio, quando são surpreeendidas por dois índios da tribo dos Aimorés. Peri aparece para defendê-las e é vítima de uma flechada. O motivo do ataque é a vingança: uma vez, Diogo matara sem querer uma índia aimoré e agora sua família viera prestar contas. Peri suspeita que haja um ataque à fazenda de D. Antônio.
Enquanto se reabilitava da flechada com o uso de ervas medicinais, Peri ouve uma conspiração vinda de Loredano, que pretende matar D. Antônio e sequestrar Cecília e Isabel para depois partir em busca de um tesouro cujo mapa Loredano conseguiu de maneira escusa.
D. Antônio acha que o evento às margens do rio que quase pôs fim às vidas de Ceci e Isabel era uma brincadeira de Peri e resolve mandá-lo embora de sua propriedade.
Parte II -- Peri
A narrativa retrocede em um ano e conta a história de Loredano, um frade carmelita que se apoderou de um mapa das minas de Prata de Robério Dias. Abandona a vida religiosa e o nome de Frei Angelo di Luca para se alojar na propriedade de D. Antônio. A partir daí, nutre planos para se apoderar de Cecília.
Há também a narrativa do pimeiro encontro dos personagens principais: o índio salva Cecília de ser esmagada por uma rocha e associa a imagem de Ceci com a da Nossa Senhora, nutrindo total adoração e fidelidade para com a moça.
De volta ao presente, D. Antônio encarrega Diego de levar adiante a honra da família e a Álvaro, para que cuide de Cecília com a morte do patriarca. Descobre que Peri não estivera brincando no dia do ataque às margens do rio e resolve perdoá-lo. O índio então adverte D. Antônio sobre a ameaça de ataque dos aimorés. Enquanto isso, Cecília procura aproximar Álvaro e Isabel, que nutem admiração um pelo outro.
Parte III --Os Aimorés
D. Antônio manda Diogo para o Rio de Janeiro em busca de ajuda contra o iminente ataque dos aimorés. Loredano entra no quarto de Cecília com o intuito de raptar a moça. Porém, tem sua mão transpassada por uma flecha de Peri. Enquanto D. Antônio e Loredano lutam corajosamente, a fazenda é atacada pelos índios e, por um momento, todos se unem para lutar contra o inimigo comum.
Porém, Peri planeja se infiltrar junto aos aimorés, se envenena e se deixa levar como prisioneiro.
Parte IV -- A Catástrofe
Enquanto Loredano prossegue com seu plano diabólico de sequestrar Cecília, seus companheiros, cientes dos verdadeiros interesses do ex-religioso, decidem matá-lo. Peri é resgatado por Álvaro e revela seu plano ao amigo: havia se envenenado com curare e se fez de vencido para que os inimigos, ao comerem sua carne (prática comum entre as tribos indígenas), ingerissem também o veneno. Com o resgate, ingere um antídoto e se livra do efeito do veneno.
Álvaro, desfalecido, é entregue a Isabel. A moça, ao imaginar que seu amado estivesse morto, ingere veneno para acabar com a própria vida. Com esse último beijo, os dois acabam com suas vidas. D. Antônio batiza Peri e o incumbe de uma missão: levar Ceci até a casa de uma tia, no Rio de Janeiro, para que ela seja criada longe dos conflitos com os indígenas. Enquanto os dois fogem em uma canoa, Peri assiste a destruição da fazenda pelos índios e a morte de seus habitantes (inclusive Loredano e D. Antônio). Quando Ceci acorda, fica sabendo do acontecimento trágico e se sente cada vez mais próxima e encantada por Peri.
Uma enchente na Paraíba faz com que os dois se abriguem no topo de uma palmeira. Quando a água os alcança, Peri evoca a lenda de Tamandaré. Arranca, então, a palmeira em um esforço praticamente inverossímil. A narrativa encerra com os dois deslizando pela superfície do rio.
Saiba mais
(1) A ópera O Guarani (Il Guarany), do compositor brasileiro Antônio Carlos Gomes (1836 - 1896), foi composta inspirada no romance de Alencar. A ópera estreou no Teatro Scala, Milão, em 1870. Logo, a ópera foi composta no idioma italiano, pois essa era a língua em que as óperas eram produzidas. O compositor finalizou seus estudos na Europa, onde recebeu o título de Maestro Compositor, quando obteve conhecimento do romance de José de Alencar, o que o motivou a compor a ópera, que conta com o libreto do poeta Antonio Scalvino.
Ilustração da Ópera O Guarani de Carlos Gomes feita por Bordallo Pinheiro para revista O Besouro em 1878
(2) curare -- é um composto venenoso extraído de plantas cujo efeito é paralisante.
(3) final em aberto -- técnica utilizada para permitir que os leitores interpretem o final de um romance de acordo com sua inclinação. No caso de O Guarani, temos que Peri e Ceci deslizam pelo rio em uma palmeira sem que o autor desenvolva uma saída para a situação. Não saberemos se os dois chegaram ao Rio de Janeiro, se ficaram juntos ou, é claro, se morreram nessa longa viagem pelo rio.
(4) Goiatacás e Aimorés -- nomes de duas tribos indígenas que ocupavam parte do território brasileiro antes da chegada dos europeus. Os aimorés eram inimigos dos brancos e eram antopófagos, isto é, se alimentavam do corpo dos guerreiros mais valentes da tribo inimiga porque acreditavam que assim absorveriam a valentia do guerreiro capturado.
Iracema (1865) - o romance segue os mesmos moldes de O Guarani, isto é, apresenta uma história de amor cujo pano de fundo é o conflito entre as tribos indígenas que habitavam o litoral e o interior do território brasileiro e os conflitos entre os indígenas e os colonizadores europeus.
Porém, em Iracema, o que Alencar pretende é apresentar uma história baseada na lenda que deu origem ao primeiro habitante nascido no Brasil: Moacir, nome que significa "filho da dor" e seria o filho entre a bela índia dos lábios de mel e o guerreiro português Martim.
O romance pode ser considerado uma obra em "prosa poética" pois apresenta uma narrativa épica, um lirismo amoroso e todo um trabalho com o vocabulário, porém, em formato de romance. Alencar não o fez em forma de verso por julgar que os nativos brasileiros não combinavam com o estilo classicista, tão distante em tempo e espaço dos gregos e romanos, e que a literatura brasileira deveria manifestar seu ideal de nacionalidade por meio da língua, desenvolvendo uma escrita e um estilo prórpios, desvinculados do clássico.
Segundo o próprio Alencar, em carta endereçada ao Dr. Jaguaribe e anexada ao final do romance:
Sem dúvida que o poeta brasileiro tem de traduzir em sua língua as ideias, embora rudes e grosseiras, dos índios; mas nessa tradução está a grande dificuldade; é preciso que a língua civilizada se molde quanto possa a singeleza primitiva da língua bárbara; e não represente as imagens e pensamentos indígenas senão por termos e frases que ao leitor pareçam naturais na boca do selvagem. (...) A elasticidade da frase permitiria então que se empregassem com mais claresa as imagens indígenas, de modo a não passarem despercebidas. Por outro lado, conhecer-se-ia o efeito que havia de ter o verso pelo efeito que tivesse a prosa.
É, geralmente, considerado um romance de difícil leitura em função de seu vocabulário rebuscado e das inúmeras descrições que o autor faz da natureza e as comparações com seus personagens.
Iracema (1881), tela do pintor José Maria de Medeiros inspirada na personagem de José de Alencar
Enredo
A narrativa da lenda de Iracema inicia com uma cena em que o guerreiro português Martim Soares Moreno, aliado da tribo dos Pitiguaras, tribo habitante das terras litorâneas, se perde nas matas do território próximo à tribo dos Tabajaras, inimigos, habitantes das terras do interior. Lá, é surpreendido pela bela índia Iracema, que ameaça matá-lo com uma flecha.
Iracema é filha de Araquém, pajé dos tabajaras, e sacerdotisa vestal que guarda o segredo/mistério/sonhoss da Jurema, uma espécie de licor com propriedades alucinógenas. Ela e sua tribo acolhem Martim como hóspede e, na noite em que ocorrem as celebrações para Irapuã, o maior chefe da nação tabajara, o guerreiro branco decide fugir. Iracema o impede, alertando sobre os perigos da mata e pede para que ele espere pelo retorno de Caubi, seu irmão, para que possa guiá-lo em segurança no dia seguinte.
Martim e Iracema se apaixonam, o que desperta a ira de Irapuã, zeloso do papel que a jovem índia deve cumprir para com a sua tribo. Como guardiã do segredo da jurema, Iracema deve permanecer virgem, porém, entrega-se a Martim em uma noite em que o guerreiro, sob efeito do líquido alucinógeno entregue por Iracema, sonhou possuir a índia (quando, na verdade, estava possuindo mesmo). O guerreiro decide partir da tribo dos tabajaras para se ver livre de Irapuã quando Iracema revela o que acontecera enquanto Martim sonhava e se dispõe a acompanhá-lo.
Os dois partem ao encontro de Poti, chefe da tribo dos pitiguaras e considerado por Martim como um irmão. Irapuã os segue, o que acaba por causar um conflito entre as duas tribos inimigas. Iracema passa a viver com Martim, que adora o nome indígena de Coatiabo, e passa a gradativamente se desinteressar pela índia. Grávida, Iracema sofre com o desdém e com as ausências de seu amado.
Ao regressar de uma batalha, Martim encontra Iracema e seu filho, porém, a índia se encontra muito debilitada. Já sem forças, a índia entrega o filho Moacir, palavra indígena que significa "o nascido do sofrimento", e pede que Martim a enterre aos pés de um coqueiro de que ela tanto gostava. Este lugar onde Iracema supostamente estaria enterrada, segundo a lenda, passou a se chamar Ceará, que significa "canto da jandaia", ave favorita de Iracema.
Martim decide retornar para a Europa, levando consigo o filho Moacir. Quatro anos mais tarde, retorna ao Brasil com o filho para auxiliar na implantação da fé cristã. Poti, o chefe dos pitiguaras, recebe o nome português de Felipe Camarão e os dois ajudam o comandante Jerônimo de Albuquerque na luta contra os holandeses.
A narrativa de Iracema, no entanto, é fragmentada e o capítulo I inicia com a cena em que a embarcação em que Martim e Moacir se encontram no regresso ao Brasil. Do capítulo II ao XXXII ocorre a narrativa da lenda da Iracema, para, no capítulo XXXIII, retornar à cena da chegada de Martim e Moacir às terras americanas.
Iracema (1909), pintura de Antônio Parreiras
Saiba mais:
vestal - significa uma sacerdotisa que deveria se manter casta, isto é, virgem, preservando-se para a vida e para os rituais sagrados de sua tribo.
Veja abaixo um trecho do cpítulo II, em que há a descrição de Iracema:
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo da grande nação tabajara, o pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto
Iracema saiu do banho; o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela As vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru te palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá , as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Curiosidade:
Iracema pode ser considerado um anagrama de "América", assim, Alencar estaria demonstrando como se deu a conquista das terras e a formação social do continente: pela exploração da natureza e da subjugação dos índios aos hábitos e ao trabalho dos colonizadores.
Ubirajara (1874) - o terceiro romance de temática indianista do autor, importante por dar sequência aos romances anteriores, Ubirajara também é uma lenda transformada em romance por Alencar.
Logo no início, o autor faz uma advertência a seus leitores de que as informações que temos até hoje sobre os indígenas provinham ou dos jesuítas ou dos aventureiros que chegavam no novo continente e que, nem sempre, a linguagem utilizada para descrevê-los estava de acordo com os costumes dos indígenas.
Por isso, Alencar critica a visão destes primeiros viajantes e religiosos, pois davam ao indígena um caráter meramente bárbaro, sem levar em consideração o aspecto sentimental e cultural da vida dos nativos. Escreve Alencar:
As coisas mais poéticas, os traços mais generosos e cavaleirescos do caráter dos selvagens, os sentimentos mais nobres desses filhos da natureza são deturpados por uma linguagem imprópria, quando não acontece lançarem à conta dos indígenas as extravagâncias de uma imaginação desbragada.
Ubirajara também é considerado um texto "irmão" de Iracema, embora narre eventos acontecidos antes da vinda dos europeus para o Brasil. Logo, os conflitos acontecem entre os povos indígenas, sem a intervenção dos colonizadores.
Jaguarê, um jovem caçador, precisa combater um inimigo para conseguir o título de guerreiro. Porém, encontra Araci, índia tocantim e filha do chefe da tribo inimiga, que o convence a lutar contra índios de sua tribo para disputar seu amor.
O jovem índio luta contra o tocantim Pojucã e aprisiona-o com sua lança e deixa como esposa a jovem Jandira, que era sua noiva. A índia foge para a floresta. A partir de então, Jaguarê torna-se Ubirajara, o senhor da lança, e procura Araci para desposá-la. Compete novamente com demais pretendentes e ganha o direito de se unir com Araci.
Descobre-se que Pojucã e Araci são irmãos e o jovem índio o liberta de seu cativeiro para que lute ao lado de sua tribo em uma guerra imintente entre as duas tribos. Porém, Ubirajara consegue não apenas reconciliar as duas tribos mas, também, as une, em uma nova e grande tribo nomeada Ubirajara, em seu nome e, como prêmio, desposa as duas índias, Araci e Jandira.
c) romances históricos
São os romances de fundo histórico, voltados para o período colonial brasileiro propondo uma nova interpretação para fatos marcantes do período colonial do século XVII, como a busca por ouro e as lutas pela expansão territorial.
Seus enredos denotam, em vários momentos, nacionalismo exaltado e a importância da construção histórica da pátria através da literatura.
Os principais romances desta fase são: As Minas de Prata (1865) e Guerra dos Mascates (1873). O romance As Minas de Prata retrata o início pelas minas de prata e a corrida por metais preciosos e A guerra dos Mascates trata dos conflitos entre as cidades históricas de Olinda e Recife.
d) romances regionalistas
Nesses romances, Alencar procurou dar conta da diversidade brasileira e das regiões que se encontravam distantes da corte e das principais cidades que receberam forte influência europeia. O autor desejava cobrir os territórios de maneira a mostrar como a vida de seus habitantes estava intimamente ligada ao meio físico no qual travavam contato.
Nesses romances, os homens recebem os papéis de destaque, em detrimento das personagens femininas, diversamente retratadas nos romances urbanos e sociais.
Porém, há controvérsias sobre o retrato feito por Alencar de seus homens: quando trata do nordestino e do sertanejo, Alencar consegue ser fiel à realidade por conhecer mais profundamente a região e seus habitantes. Porém, quando retrata o gaúcho o autor incorre em uma série de falhas, provenientes da falta de familiaridade com o tipo retratado e com a distância que separava Alencar do sul do país.
Os romances mais conhecidos desta fase são: O gaúcho (1870), O Tronco do Ipê (1871), Til (1872) e O Sertanejo (1875).
Demais autores do Romantismo
Embora menos expressivos quando se trata do cânone literário brasileiro, os autores a seguir são importantes pois também contribuíram para a produção literária do período. São eles:
Bernardo Guimarães
Seu livro mais conhecido é A escrava Isaura (1875), romance com pretensões abolicionistas que conta a história de Isaura, uma escrava branca, nobre e educada que é perseguida por Leôncio, seu senhor, um homem marcado pelos vícios sociais. A moça é salva pelo herói Álvaro, que a retira das garras do vilão.
Bernardo Guimarães (1827 - 1884)
Embora aborde a temática escravista, o romance mostra uma ideologia patriarcal, ao retratar uma escrava branca e que segue a educação dos moldes da elite. A questão dos escravos aparece de maneira superficial, não revelando a verdadeira condição dos negros que eram submetidos ao sistema social escravista.
Escreveu também outros romances, como O Seminarista (1872) e O Garimpeiro (1872).
Maria Firmina dos Reis
Com relação à temática escravista, há outros romances na literatura brasileira que abordam a questão com uma visão mais acurada da realidade vivida pelos escravos, como é o caso do romance Úrsula (1859) de Maria Firmina dos Reis, considerado o primeiro romance abolicionista da literatura brasileira.
Além disso, o romance é considerado o primeiro de autoria de uma afrodescendente e o primeiro romance de autoria feminina de nossa literatura.
No entanto, como as mulheres que se dedicavam à escrita eram vistas com preconceito pelos olhos dos escritores (pois as Letras no Brasil sempre foram um território predominantemente masculino), a autora se absteve de publicar Úrsula com seu nome verdadeiro e optou por usar o pseudônimo "Uma Maranhense".
Seu romance pode ser considerado inovador pois pela primeria vez utiliza a prosa para as denúncias de uma sociedade patriarcal sob o aspecto de suas principais vítimas: a mulher e o negro.
Maria Firmina dos Reis (1825 - 1917)
Diferentemente dos escritores do romantismo, que denunciavam a mesquinhez das relações pessoais em uma sociedade burguesa (como é o caso de José de Alencar), Maria Firmina dos Reis denuncia o que estava por trás dessas relações, isto é, a dominação e a exploração das mulheres e dos negros pelo marido e pelo senhor.
Educadora preocupada com a literatura e com a educação, a autora também foi professora e, depois de aposentada, fundou a primeira escola mista do estado. É responsável por uma série de poemas e contos no periódico literário Semanário Maranhense e em outros jornais, além do livro de poesias Cantos à beira-mar (1871) e um diário, publicado somente em 1975 pelo historiador José Nascimento Moraes Filho.
Saiba mais:
pseudônimo - nome fictício utilizado por um autor ou uma autora para velar sua verdadeira identidade. A prática era muito utilizada pelas mulheres que resolviam "se aventurar" no terreno das Letras, porém, sem expor o nome de seu marido e sua família pois a atividade da escrita pelas mulheres era vista com preconceito pelos homens.
pseudônimo - nome fictício utilizado por um autor ou uma autora para velar sua verdadeira identidade. A prática era muito utilizada pelas mulheres que resolviam "se aventurar" no terreno das Letras, porém, sem expor o nome de seu marido e sua família pois a atividade da escrita pelas mulheres era vista com preconceito pelos homens.
Franklin Távora
Autor também empenhado no retrato da realidade nordestina e do cangaceiro, evidenciando a vida com as secas no sertão.
Acredita que o Norte ainda tem muito o que oferecer para a formação da literatura brasileira, tendo em vista que, diferentemente do Sul do país, ainda não foi totalmente invadido, e ainda possui muito o que ser explorado.
O Cabeleira (1876), seu romance mais famoso, trata do cangaceiro José Gomes (o Cabeleira). A narrativa, embora com tons realistas e combativa, recai na estrutura melodramática dos romances românticos.
O Cabeleira, ao reencontrar seu amor de infância, Luisinha, abandona sua vida de criminoso e dispõe-se a total regeneração pelo amor da amada. A moça, porém, morre de uma enfermidade e o cangaceiro acaba preso e enforcado na prisão.
Franklin Távora (1842 - 1888)
O Teatro no Romantismo
O teatro no Brasil, até então, era proveniente da Europa e tinha como principal objetivo agradar às elites brasileiras, que transformavam as apresentações em verdadeiros eventos sociais, principalmente nas grandes cidades.
Embora alguns escritores já houvessem se arriscado na dramaturgia brasileira, como Castro Alves e José de Alencar, cujas obras eram baseadas nas europeias, ainda não havia uma discussão sobre o perfil do teatro brasileiro. Foi apenas com Martins Pena que o teatro passou a refletir as cenas e as problemáticas da realidade brasileira.
Martins Pena
Luís Carlos Martins Pena nasceu em 1815 no Rio de Janeiro e faleceu em Lisboa, Portugal, em 1848. É patrono da Academia Brasileira de Letras.
Martins Pena
Suas obras estão classificadas no gênero "comédia de costumes", inaugurado por ele, e se empenham no retrato de situações cômicas da realidade brasileira compondo uma espécie de sátira social. Além disso, é responsável por criar tipos característicos e situações peculiares tanto no ambiente urbano quanto no ambiente rural. O malandro, o estrangeiro e a mulher (responsável por "segurar as pontas" da família), são talvez seus personagens mais característicos.
No retrato do ambiente urbano, Pena trabalha na sátira dos costumes da classe média carioca do século XIX, principalmente, com relação aos relacionamentos amorosos e a busca pela ascenção social. Pena escreve para as camadas mais populares, decorrendo daí a sua popularidade. Escreveu, durante sua curta vida, cerca de 28 peças tendo 19 delas sido encenadas na época.
Suas peças mais famosas são: O juiz de paz na roça (1842), Casadas solteiras (1845) e Os dois ou o inglês maquinista (1871).
Veja um trecho da peça Os dois ou o inglês maquinista:
CENA VII - Felício e Gainer
FELÍCIO – Estou admirado! Excelente idéia! Bela e admirável máquina!
GAINER (contente) – Admirável, sim.
FELÍCIO – Deve dar muito interesse.
GAINER – Muita interesse o fabricante. Quando este máquina tiver acabada, não precisa mais de cozinheiro, de sapateira e de outras muitas ofícias.
FELÍCIO – Então a máquina supre todos estes ofícios?
GAINER – Oh, sim! Eu bota a máquina aqui no meio da sala, manda vir um boi, bota a boi na buraco da maquine e depois de meia hora sai por outra banda da maquine tudo já feita.
FELÍCIO – Mas explique-me bem isto.
GAINER – Olha. A carne do boi sai feita em beef, em roast-beef, em fricandó e outras muitas; do couro sai sapatas, botas...
FELÍCIO (com muita seriedade) – Envernizadas?
GAINER – Sim, também pode ser. Das chifres sai bocetas, pentes e cabo de faca; das ossas sai marcas...
FELÍCIO (no mesmo) – Boa ocasião para aproveitar os ossos para o seu açúcar.
GAINER – Sim, sim, também sai açúcar, balas da Porto e amêndoas.
FELÍCIO – Que prodígio! Estou maravilhado! Quando pretende fazer trabalhar a máquina?
GAINER – Conforme; falta ainda alguma dinheira. Eu queria fazer uma empréstima. Se o senhor quer fazer seu capital render cinqüenta por cento dá a mim para acabar a maquina, que trabalha depois por nossa conta.
FELÍCIO (à parte) – Assim era eu tolo... (Para Gainer:) Não sabe quanto sinto não ter dinheiro disponível. Que bela ocasião de triplicar, quadruplicar, quintuplicar, que digo, centuplicar o meu capital em pouco! Ah!
GAINER (à parte) – Destes tolas eu quero muito.
FELÍCIO – Mas veja como os homens são maus. Chamarem ao senhor, que é o homem o mais filantrópico e desinteressado e amicíssimo do Brasil, especulador de dinheiros alheios e outros nomes mais.
GAINER – A mim chama especuladora? A mim? By God! Quem é a atrevido que me dá esta nome?
FELÍCIO – É preciso, na verdade, muita paciência. Dizerem que o senhor está rico com espertezas!
GAINER – Eu rica! Que calúnia! Eu rica? Eu está pobre com minhas projetos pra bem do Brasil.
FELÍCIO (à parte) – O bem do brasileiro é o estribilho destes malandros... (Para Gainer:) Pois não é isto que dizem. Muitos crêem que o senhor tem um grosso capital no Banco de Londres; e além disto, chamam-lhe de velhaco.
GAINER (desesperado) – Velhaca, velhaca! Eu quero mete uma bala nos miolos deste patifa. Quem é estes que me chama velhaca?
FELÍCIO – Quem? Eu lho digo: ainda não há muito que o Negreiro assim disse.
GAINER – Negreira disse? Oh, que patifa de meia-cara... Vai ensina ele... Ele me paga. Goddam!
FELÍCIO – Se lhe dissesse tudo quanto ele tem dito...
GAINER – Não precisa dize; basta chama velhaca a mim pra eu mata ele. Oh, que patifa de meia-cara! Eu vai dize a commander do brigue Wizart que este patifa é meia-cara; pra segura nos navios dele. Velhaca! Velhaca! Goddam! Eu vai mata ele! Oh! (Sai desesperado.)
GAINER (contente) – Admirável, sim.
FELÍCIO – Deve dar muito interesse.
GAINER – Muita interesse o fabricante. Quando este máquina tiver acabada, não precisa mais de cozinheiro, de sapateira e de outras muitas ofícias.
FELÍCIO – Então a máquina supre todos estes ofícios?
GAINER – Oh, sim! Eu bota a máquina aqui no meio da sala, manda vir um boi, bota a boi na buraco da maquine e depois de meia hora sai por outra banda da maquine tudo já feita.
FELÍCIO – Mas explique-me bem isto.
GAINER – Olha. A carne do boi sai feita em beef, em roast-beef, em fricandó e outras muitas; do couro sai sapatas, botas...
FELÍCIO (com muita seriedade) – Envernizadas?
GAINER – Sim, também pode ser. Das chifres sai bocetas, pentes e cabo de faca; das ossas sai marcas...
FELÍCIO (no mesmo) – Boa ocasião para aproveitar os ossos para o seu açúcar.
GAINER – Sim, sim, também sai açúcar, balas da Porto e amêndoas.
FELÍCIO – Que prodígio! Estou maravilhado! Quando pretende fazer trabalhar a máquina?
GAINER – Conforme; falta ainda alguma dinheira. Eu queria fazer uma empréstima. Se o senhor quer fazer seu capital render cinqüenta por cento dá a mim para acabar a maquina, que trabalha depois por nossa conta.
FELÍCIO (à parte) – Assim era eu tolo... (Para Gainer:) Não sabe quanto sinto não ter dinheiro disponível. Que bela ocasião de triplicar, quadruplicar, quintuplicar, que digo, centuplicar o meu capital em pouco! Ah!
GAINER (à parte) – Destes tolas eu quero muito.
FELÍCIO – Mas veja como os homens são maus. Chamarem ao senhor, que é o homem o mais filantrópico e desinteressado e amicíssimo do Brasil, especulador de dinheiros alheios e outros nomes mais.
GAINER – A mim chama especuladora? A mim? By God! Quem é a atrevido que me dá esta nome?
FELÍCIO – É preciso, na verdade, muita paciência. Dizerem que o senhor está rico com espertezas!
GAINER – Eu rica! Que calúnia! Eu rica? Eu está pobre com minhas projetos pra bem do Brasil.
FELÍCIO (à parte) – O bem do brasileiro é o estribilho destes malandros... (Para Gainer:) Pois não é isto que dizem. Muitos crêem que o senhor tem um grosso capital no Banco de Londres; e além disto, chamam-lhe de velhaco.
GAINER (desesperado) – Velhaca, velhaca! Eu quero mete uma bala nos miolos deste patifa. Quem é estes que me chama velhaca?
FELÍCIO – Quem? Eu lho digo: ainda não há muito que o Negreiro assim disse.
GAINER – Negreira disse? Oh, que patifa de meia-cara... Vai ensina ele... Ele me paga. Goddam!
FELÍCIO – Se lhe dissesse tudo quanto ele tem dito...
GAINER – Não precisa dize; basta chama velhaca a mim pra eu mata ele. Oh, que patifa de meia-cara! Eu vai dize a commander do brigue Wizart que este patifa é meia-cara; pra segura nos navios dele. Velhaca! Velhaca! Goddam! Eu vai mata ele! Oh! (Sai desesperado.)
O Romantismo: século XIX
Resumo
Contexto histórico
- Revolução da Imprensa e ascenção do romance;
- Vinda da Família Real para o Brasil (em 1808);
- Independência do Brasil (em 1822).
- Vinda da Família Real para o Brasil (em 1808);
- Independência do Brasil (em 1822).
Características
- Individualismo;
- Subjetivismo;
- Verso livre e verso branco;
- Sentimento de nacionalidade;
- Culto à natureza.
- Subjetivismo;
- Verso livre e verso branco;
- Sentimento de nacionalidade;
- Culto à natureza.
Principais autores
Poesia
1ª Geração Romântica: Nacionalista ou Indianista
- Gonçalves de Magalhães
- Gonçalves Dias
- Araújo Porto-Alegre
- Gonçalves Dias
- Araújo Porto-Alegre
2ª Geração Romântica: Mal do Século
- Álvares de Azevedo
- Casimiro de Abreu
- Junqueira Freire
- Fagundes Varela
- Casimiro de Abreu
- Junqueira Freire
- Fagundes Varela
3ª Geração Romântica: Condoreira
- Castro Alves
- Sousândrade
- Sousândrade
Prosa
- Joaquim Manoel Macedo
- Manoel Antônio de Almeida
- José de Alencar
- Manoel Antônio de Almeida
- José de Alencar
Teatro